Tinta por uma Linha
Maio 18, 2023
Tenho, cada vez mais, dificuldades em escrever. Aprendo, progressiva e pacientemente, a arte do analfabetismo. Como dizia o meu avô, no seu jeito transmontano, vou de cavalo pra burro. Os poucos textos, que vou produzindo, são escassos em extensão e fracos em qualidade. De pouca relevância intelectual e de insignificante profundidade. Porque sei que são o reflexo de quem sou, deles, pouco gosto. E, por falar em quem sou, assalta-me sobretudo a desilusão. O vazio que preenche a distância entre o que não fui e o que não gosto de ser. Como se a alma tivesse desistido e abandonado o corpo que arrasto sem rumo.
Mas, ainda que escrevesse muito e escrevesse bem, jamais seria escritor. Sou profundamente inábil para desempenhar profissões. Assumo-me incompetente e péssimo profissional. Para esquecer as dores, aprendi também a enfraquecer a memória e, por conseguinte, tornei-me velho e arrasei a capacidade de aprender. Há demasiado tempo que, para minha tristeza, não evoluo. Deixei de olhar para cima e apenas foco os cordões dos sapatos para zelar que não me derrubam. Na melhor das hipóteses e recorrendo ao neologismo, diria que não sou mais que um parco escridor.
Boas notícias para a humanidade! Não vem mal nenhum ao mundo por eu escrever menos. Pelo contrário, é menos poluição. Procuro, apenas por uma espécie de curiosidade mórbida, perceber as razões. Racionalmente ocorrem-me alguns motivos que justificam o facto. Lembro-me dos catalisadores que, por norma, me levam a escrever e podem estar sujeitos a perturbações:
Primeiro tenho de marinar uns dias numa boa depressão. Este é fator eliminatório, porque não me vejo a escrever sem uma abastada e consistente dose de depressão. Ainda assim tem de haver um certo cuidado de afinação pois, apesar de forte, a depressão não pode exceder o aceitável, ao ponto de incapacitar a produção intelectual. É um equilíbrio extremamente desafiante e, não poucas vezes, reprovo.
Consolidada a fase da depressão, segue-se a busca pela bênção de Cronos. É preciso tempo, para que dentro do buraco negro em que me encontro, seja possível escutar e interpretar todos os sons e silêncios. Mergulhar na matéria negra e integrar a antimatéria. Abafar o ruído, libertar os gritos. Depois, com o léxico limitado do cérebro elanguescente, procurar as palavras que melhor traduzam essa ilógica dissonante. Agregar as frases e pontua-las, de modo a que respirem ou abafem, consoante a cegueira dos nós que se apertam na garganta. Ordenar o caos em parágrafos e dar princípio e meio a algo que apenas parece ter fim. Nestes dias, nestas noites, tempus fugit. Também, neste ponto, não tenho estado à altura.
Por fim, sentir que tenho algo que valha a pena ser dito. Algo, mesmo que valha pouco. Aqui aborreço-me. Depois de falhar as outras premissas, escrutino-me: corpo, coração, mente, espírito, alma, o que for... Uma e outra vez. Apenas uma depressão desafinada e uma perda de tempo. Dentro de mim, não encontro nada.