Um sentido para cinco. Cinco ou mais, talvez... Vistas condensadas num olhar profundo, do extremo celestial à solidão palpável do centro do mundo. Um pensamento que condenso e trinco, em silêncio, uma e outra vez. Decantada a essência a que, em tantos dias, fui alérgico: de que serve o tudo - ou o nada -, num espírito pentaplégico.
Hoje, por causa de uma conversa, lembrei-me desta relíquia...
Do Ábaco ao computador actual, passando por Blaise Pascal; tudo se alterou de forma radical. O noivado da informática e da caneta, num raciocínio do digital e da sebenta.
Matemático de Marte, a exactidão é uma arte. Poeta de terra, os mundos estão em guerra.
Combinações que na tua vida não combinam, correspondências que os números não ensinam. Integrais que não integras jamais, diferenciais que perdes entre suspiros e ais.
Arredondas um par de raízes quadradas, com o encanto de um conto de fadas. Traças diagonais e assimptotas verticais, com a magia de poemas musicais.
Desenhas gráficos com tangentes e secantes, em quadrículas cúmplices como amantes. Sombreias o espaço interceptado com cinzentos, como se procurasses esconder os tormentos.
Calculas este raio de mundo com contas de carácter profundo. Transformas um dado em parâmetro e um mistério na função que devolve o diâmetro.
Reduzes o complexo à canónica, como o resumo objectivo de uma crónica. Dispões as mágoas numa matriz e procuras a cura para cada cicatriz.
Amas sem limite, do menos ao mais infinito e pelejas com o que para muitos não passa de mito. Levantas o rosto na direcção do crepúsculo e sabes, não passas de um ponto minúsculo.
Derivas argumentos com factos por desvarios sinuosos e abstractos. Trabalhas os números primos mas o que anseias, mesmo, é por mimos.
As contas da vida, essa tua ferida. Extra-terrestre, astronauta, encantador de flauta. Essas pessoas reais, que esqueceram os ideais. Esses comportamentos complexos, que te deturpam os reflexos. Homem indivisível, homem invisível. Tu: pajem inteiro, sem título de cavaleiro. Tu: existência abandonada, com a alma racionada. Contador de mundos, afogado em desgostos profundos. Uma vontade que esfria, num desaguar na noite sombria. Ser perdido, sem pontas, no céu, quantas estrelas tu contas?
Equacionas o interior mas apenas te sentes inferior. Um conjunto vazio numa depressão despegada, hieróglifos do passado numa história apagada.
Martemático: poeta dos números; quantificas corpos inúmeros. Dissecas teorias que desmontas mas nunca entenderás certas contas.
Hoje não escrevo. Bombardeio!
Não me fico pelas meias palavras nem pelo termo e meio.
Hoje não digo. Determino!
Abro fissuras no terreno e estremeço o divino!
Extravasa, rebenta!
Não pares! Nem por sete nem setenta.
Estoura, incendeia!
Vive a vida. Vive a ideia!
Trespassa o vazio e a plenitude,
com a tua velha juventude!
Desarma o sossego e arma o desassossego,
com a liberdade que te dá o desapego!
Sê educadamente selvagem e primitivo,
sê espectacularmente explosivo!
Sê carne e espírito,
sê, para ti mesmo e ao mesmo tempo, amado e proscrito!
Rasga o céu, excita electrões e funde átomos!
Sai da pasmaceira do povo que somos.
Torna-te no que és!
Está nas tuas mãos. Ouve! A oportunidade clama a teus pés.
Mergulha no fundo.
Perscruta bem esse mundo etéreo e imundo.
Limpa-te bem na sujidade e suja-te igualmente na limpeza.
Deseja, com a mesma ardência, a feiura e a beleza!
Inspira e expira nos píncaros!
Que as penas das tuas asas sejam múltiplos Ícaros.
Voa até que as entranhas do sol te devorem e os teus sentidos gritem!
Mas elas que provem e, se não gostarem, que te vomitem.
Faz amor com a tristeza e faz nascer alegria!
Faz jorrar, do teu íntimo, um pentecostes e um rio ébrio de sangria!
Conjuga sons e cria línguas estranhas, mas musicais.
Parte para longe. Abandona o teu querido cais...
Hoje dá-se o corte.
Ressuscita Morte!
Levanta-te e anda!
A Vida manda.
Nas tuas margens, Mondego,
o silêncio dos milhafres escuto.
Ouço o toque do Absoluto no ego
e molho as mãos do meu peito enxuto.
Nas tuas águas, me rendo,
ao som dos teus acordes cristalinos.
Vais-me levando enquanto sou o que vou sendo,
enquanto o vento despenteia uma flora de violinos.
Nos teus braços, me embalas,
no regaço do teu leito me afagas.
As pedras, mergulhadoras, sibilam as tuas falas
e as tuas palavras saram as minhas chagas.
Mondego!
Viajante de lenta e serena quietude,
viagem pelas ruas do esquecimento: dos lugares e das horas.
Ermida onde o espaço e o tempo perdem a latitude
e eu me desprendo nas tuas correntes libertadoras.
As palavras não são sentimentos,
não os traduzem.
Porque, sempre que os tentam traduzir, algo se perde.
E, quando se fala de sentimentos, se algo se perde, tudo se perde.
As palavras não são e não traduzem sentimentos!
Podem, no entanto, toca-los.
Como um piano pode tocar uma melodia
e como uma melodia pode tocar a alma.
Como gotas de chuva podem tocar o rosto
e como um rosto molhado pode inquietar a alma.
Ou...
Como o vento persistente pode tocar um solo
e o solo pode tocar o indivíduo, afastando-o da multidão.
As palavras são construções do homem
e os sentimentos, desconstruções da humanidade.
As palavras são pontos do mapa
e os sentimentos pontuações do terreno.
Se algo é:
as palavras são o que são
e os sentimentos são o que são.
No que me diz respeito: sinto muito, por escrever.
Mas também escrevo por sentir muito.
Se calhar não me diz respeito.
Se calhar não sei, tão-pouco, quem sou.
Afinal, quem somos nós?
Não respondo com palavras.
Pergunto-me com sentimento!
- Ouvi, uma vez, um poeta dizer que a beleza das coisas está nos olhos de quem as vê:
IMPRESSÃO DIGITAL Os meus olhos são uns olhos,
e é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos,
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.
Quem diz escolhos, diz flores!
De tudo o mesmo se diz!
Onde uns vêem luto e dores,
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.
Pelas ruas e estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandecente!!
Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos!
Onde Sancho vê moinhos,
D.Quixote vê gigantes.
Vê moinhos? São moinhos!
Vê gigantes? São gigantes!
António Gedeão
- Há momentos, porém, nas nossas vidas, em que as vistas se cansam. São momentos em que, por muito esforço que façamos, apenas vemos escuridão.
... só nós sabemos como é:
LÁGRIMAS OCULTAS
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Florbela Espanca
- Por vezes até queremos falar com alguém mas não conseguimos e, por vezes, pensamos mesmo em desistir.
FALAR COM QUEM?
Ás vezes quero falar,
mas sofro de falta de ar.
Quero contar tudo o que sinto,
mas as palavras sabem a absinto.
Ás vezes gostava de ser ajudado,
estender a mão e ser resgatado.
Estou tão cansado de porfiar,
mas de maneira nenhuma consigo confiar.
Às vezes gostava de não desistir,
insistir para não deixar de existir.
Estou profundamente apagado
e não vejo as partes do meu eu fragmentado.
Muito desinteressante,
este conto incessante.
Muito pouco cativante,
esta vida inconstante.
Sem fio de história,
sem ponta de glória.
Absolutamente nada,
só a face molhada.
Ás vezes quero acordar,
mas não consigo parar de sonhar.
Quero viver tudo o que almejo,
mas ninguém me toca com um beijo.
Ás vezes,
apenas ás vezes…
De olhos fechados o que vejo?
O tédio e a solidão num bocejo.
De olhos abertos o que vejo?
A indiferença e o frio num cortejo.
É melhor sem olhos!
Não evito os escolhos,
mas sem olhos não vejo
e, se não vejo, não dou ouvidos ao desejo.
Ás vezes gostava de não desejar,
de esquecer tudo o que faz o coração latejar .
Ás vezes,
apenas ás vezes…
José Ferreira
... mas nem sempre, apenas às vezes. Há momentos únicos e bons que nos fazem amar a vida!
- Pensando nesses momentos, percebemos que o conforto para as mágoas do íntimo se encontra nos pequenos gestos e começamos por levantar a cabeça:
AMADOR SEM COISA AMADA
Resolvi andar na rua
com os olhos postos no chão.
Quem me quiser que me chame
ou que me toque com a mão.
Quando a angústia embaciar
de tédio os olhos vidrados,
olharei para os prédios altos,
para as telhas dos telhados.
Amador sem coisa amada,
aprendiz colegial.
Sou amador da existência,
não chego a profissional.
António Gedeão
- A vida é, em última análise, uma experiencia e experimentar é ser amador: é amar a dor para saber amar com mais intensidade o alívio e abraçar, com consciência, a cura. É experimentar a intensidade da escuridão para se aprender a amar as propriedades da luz. É escutar para poder aprender a cantar... A vida engloba tudo, até a morte. Tudo faz parte de viver e só vive, realmente, quem experimenta e sente a experiência. Tudo por que passamos fica gravado na alma. Por isso cada pessoa é diferente. As diferenças sentem-se na textura e nas rugosidades da alma. Se procurarmos bem, cada uma dessas rugas, ou saliências, tem uma história, uma lição, um sentimento, uma lágrima, um sorriso... tem vida!
- Há quem diga que é realista e se orgulhe. Há quem negue ser sonhador por sentir vergonha. São estes os nossos dias. Mas se olharmos para a história da humanidade podemos, facilmente, concluir que a história não reza grandes feitos de homens realistas. A realidade só avança quando puxada por um sonho. E houve quem sonhasse com uma lâmpada, uma televisão e depois este computador. Houve alguém que sonhou chegar à lua e materializou o sonho na realidade. Mais uma vez: a vida engloba tudo, até os sonhos:
SEGREDOS VITALICIOS
Olha na palma da tua mão:
vê o futuro que imaginaste de antemão.
Vê que até as rosas têm os seus espinhos,
ouve os teus sonhos que segredam para que não os deixes sozinhos.
José Ferreira.
- Agora vamos lá acordar dessa nostalgia e viver (VIVER – não disse sobreviver). A vida não é feita só de tristeza ou momentos de dor. Não vou dizer que é metade/metade. A verdade é que, também eu, ainda estou sensivelmente a meio da minha experiência. ;-)
- Com toda a alma (as duas metades):
Se de noite chorares pelo sol, não verás as estrelas
Eis como vejo a felicidade: como o Euromilhões. Só sai aos outros. A felicidade é, para mim como para muitas outras pessoas, uma utopia, um conceito do ser humano. Só que para mim é mesmo, não é algo que digo apenas da boca para fora. Para se aspirar a candidato à felicidade são precisas, na minha opinião, 4 coisas: genética, know-how, uma equipa competente e sorte. Resumidamente:
Genética – Há pessoas que nascem com uma maior predisposição para resistir às adversidades e manterem o equilíbrio mental e emocional. Da mesma forma que, em termos físicos há pessoas mais atléticas e saudáveis, o mesmo se aplica à componente psicológica.
Know-how – A educação que se teve, as filosofias assimiladas, a inteligência social e emocional. Todos estes factores se podem conjugar para que o bem-estar do indivíduo - enquanto ser isolado ou ser social - possa ser alcançado.
Equipa Competente – O que quero dizer com equipa competente é: a família, os amigos e os colegas. Se as pessoas que gravitam ao nosso redor são, regra geral, positivas ou negativas. Este ponto está, de certa forma, intimamente ligado com o know-how e a sorte.
Sorte – Ainda que de alguma forma, contra todas as probabilidades, conseguisse ganhar o Euromilhões, isso não seria, nem de perto, sinónimo de felicidade. E, só para que conste, é muito difícil ganhar o Euromilhões. Por mais fortes que sejamos, por mais competência que tenhamos e por melhores que sejam as pessoas que nos rodeiam, se não houver uma pitada de sorte a fluir por esses 3 factores… Diz-se que a sorte dá trabalho mas, da mesma forma, a falta de sorte dá “desemprego”…
Há, no entanto, pessoas que conseguem ser razoavelmente felizes sem que estas quatro condições se realizem em simultâneo. Todas as regras têm excepções e, para além do mais, estas regras são mero fruto da minha humilde opinião. Isto não é, propriamente, um documento oficial.
Eu não tenho tido a sorte de encontrar as pessoas certas e também não me sinto um grande primor da genética. O know-how não basta e, a cada dia que passa, tenho a sensação de saber menos. Sinto-me infeliz, estou cansado e estou cansado de estar cansado. Mas hoje tomei uma decisão: vou deixar de perseguir a felicidade. Vou deixar de a procurar. Não quero saber de mais nada. Estou cheio! Podem dizer que é cobardia, letargia, estupidez, conformismo, podem dizer o que quiserem. Quero lá saber! Só eu sei porquê.