Perdição
Janeiro 09, 2023
Às vezes desencontramos
quem nos encontra.
E magoamos.
Noutras vezes encontramos
quem connosco se desencontra.
E dói-nos!
Todas as vezes não me encontro.
- Isso mata-me.
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Janeiro 09, 2023
Às vezes desencontramos
quem nos encontra.
E magoamos.
Noutras vezes encontramos
quem connosco se desencontra.
E dói-nos!
Todas as vezes não me encontro.
- Isso mata-me.
Dezembro 21, 2022
Fecho o mundo nos muros da cabeça.
Assim é menos custoso.
Que toda a Física me obedeça!
Que as desculpas perdoem o leproso.
Estranho e pesado autismo.
Esmagadora força gravitacional.
Ancora que aprisiona no abismo.
Ferida que me faz marginal.
Trilhos levam a nenhum lado.
Tempo escorre sem norte.
Quadrado, todo eu sou fado.
Calado, todo eu sou morte.
Se as nuvens se dissipassem.
- Essas mesmas que inventei.
Se as loucuras me libertassem!
...
Houvesse sanidade. Já a gastei.
Dezembro 20, 2022
A Fava
(poema de Vasco Graça Moura)
espero que me calhe aquela fava
que é costume meter no bolo-rei:
quer dizer que o comi, que o partilhei
no natal com quem mais o partilhava
numa ordem das coisas cuja lei
de afectos e memória em nós se grava
nalgum lugar da alma e que destrava
tanta coisa sumida que, bem sei,
pela sua presença cristaliza
saudade e alegria em sons e brilhos,
sabores, cores, luzes, estribilhos...
e até por quem nos falta então se irisa
na mais pobre semente a intensa dança
de tempo adulto e tempo de criança.
Dezembro 03, 2022
Há muitos anos transpirei esta algaraviada:
"
Sei apenas que, apesar das inúmeras incertezas,
a minha bicicleta corre mais que todas as tristezas.
Milhões de quilómetros por segundo,
a velocidade a que voam os sonhos.
Milhões: um número ambíguo e vagabundo,
um infinito de infinitos medonhos.
É assim a minha bicicleta:
corre a milhões de quilómetros por segundo.
Levanta voo sobre a realidade incerta,
para lá do céu e da gravidade do mundo.
Desfigura-se-me, nas descidas, a visão,
com toda a liberdade nas retinas.
Choram os olhos com imprecisão,
com o rasgão na monotonia das rotinas.
E a paisagem penetrante em ebulição,
com o vento a uivar segredos nos cabelos.
A estrada em que os três tempos fazem a junção,
num asfalto que enterra e cobre os pesadelos.
Pedalo cada vez mais depressa
e as tristezas não me vão alcançar!
Pedalo como se cumprisse uma promessa
e as tristezas não me vão alcançar!
Pedalo numa pressa que me apressa
e as tristezas não me vão alcançar!
Pedalo ainda mais depressa
e as tristezas não me vão alcançar!
Sei apenas que, apesar das inúmeras incertezas,
a minha bicicleta corre mais que todas as tristezas.
E, de facto, mais que tudo corre;
mas só corre enquanto o meu vigor não morre…
São, agora, duas horas da madrugada
e eu estava quase a sonhar.
Há alguém ou algo a bater à porta gelada
e vou espreitar, mas até já posso adivinhar:
- Bastardas... Foi difícil encontrarem-me?
"
- Chegou a mota.
Agosto 05, 2022
Divorciei-me dos sonhos,
das fantasias, das irrealidades.
Abandonei-os a todos!
Os dias, bons ou medonhos,
são as minhas cruas verdades.
Verdades que mentem a rodos.
Agosto 01, 2022
Amor não correspondido
é angústia que transcende o grito.
Erro divino do Criador
que me fez mastigado e cuspido.
Denso pântano de atrito
que desnutre no seio da dor.
Amor não correspondido
é cárcere constritor de solidão.
Todas as cores são palidez
e, em todas, me encontro perdido.
Perene e infinita escuridão
em que nada tem alma ou calidez.
Amor não correspondido
não é amor, mas caixão.
E (de mim) vejo-me despido,
sem vontades nem paixão.
Mas tudo isso foi noutra era.
Tudo isso já passou.
Um dia matei o morto que era
e hoje sou o morto que sou.
Julho 22, 2022
Sonhos dentro de pesadelos, dentro de sonhos.
Seremos tudo isso ou vice-versa.
Aglomerado de átomos estranhos,
centelha que se apaga e dispersa.
Talvez filhos da matemática,
mas não números!
Quem somos, nesta estranha dinâmica?
… Senão meros pseudo-seres inseguros.
Por nada saber: não sei que não sei quem sou.
Incerto dia, num qualquer caos, o acaso me rimou
e algo (ou alguém) me pensou.
Porventura, nesse instante, algo (ou alguém) me amou.
Julho 22, 2022
Recomeça...
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...
Julho 19, 2022
Ítaca - Poema de Konstantínos Kaváfis (tradução: Jorge de Sena)
Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado - não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria- nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.
Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes o quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.
Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora,
senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.
Outubro 14, 2021
A felicidade é um sonho
e, se é um sonho, então estou a dormir.
A desgraça é um pesadelo
e, se é um pesadelo, então estou a dormir.
Mas a felicidade não parece real
e a desgraça é demasiado real.
Nesta insónia de volver e revolver,
neste abrir e fechar de olhos sem ver,
neste cansado modo de escrever,
fica o inconformismo conformado,
o aforismo bem vincado:
Da desgraça não consigo acordar,
da felicidade não evito o despertar.
Outubro 07, 2021
Agarro-me a nada
como se fosse tudo.
E uso todas as forças
para apertar as fraquezas.
Porque o tudo
me faz sentir ninguém.
E porque esse nada
me faz sentir alguém.
Porque todas as forças
são minhas fraquezas.
Porque perdi e me perdi.
E acho que não me quero achar.
Outubro 06, 2021
Poucos cuidados
e a vida mata-nos.
Muitos cuidados
e a vida morre.
Quantos cuidados?
(... para não serem poucos.)
(... para não serem muitos.)
Cuidado com a resposta.
Setembro 29, 2021
Sinto-me uma espécie de atrito,
porque falo sempre demais
... e nada tenho que valha a pena ser dito.
Mas, se ninguém escuta palavras a mais,
por que as digo?
Voo, em pensamentos reais ou fictícios,
até a escrita falar comigo:
- "Uso a palavra para compor meus silêncios." *
* - Início do poema "O apanhador de desperdícios" de Manoel de Barros
Agosto 28, 2021
O coração é um órgão intrigante.
É, em certa medida, como um gato.
Uma espécie de viandante de mundos:
umas vezes carne, outras espírito;
umas vezes Amor, outras ódio;
umas vezes vida, outras morte.
Um mistério que palpita e se sente.
Julho 27, 2021
Terra, bela Vénus,
abraça um lunático de Marte.
Despidos, só nus.
Sós, nos mistérios da arte.
Abril 30, 2021
Tanta vida sem digestão,
tanta morte gerada por congestão.
O cansaço de mastigar as mesmas rimas,
endurecidas por tão estranhas enzimas.
Monólogos enferrujados e pesados como grilhões,
pensamentos estéreis e questões aos milhões.
O ar pernicioso e demasiado rarefeito,
adoecido por uma angústia que aperta no peito.
Estranha forma de vulto,
que se contorce no seio do tumulto.
Um espírito demasiado elanguescente,
aos olhos das cercanias, ultra-transparente.
Mas como (ou para quê) reflectir a luz e aparecer,
se os dias deste mundo não param de anoitecer?
Abril 07, 2021
O que sei:
Ontem procurava respostas.
Hoje caço perguntas.
Amanhã não sei.
Março 29, 2021
Este nevoeiro dos dias
que oculta cordilheiras com outras vias.
Este fumo de confusão
que envenena a mente com desilusão.
Este manto de escuridão
que comprime a alma na companhia da solidão.
Este inferno de maldição,
esta adaga no meio do coração,
não significa - de todo - a minha rendição.
Março 17, 2021
Agora percebo:
Ninguém me ama,
não mais do que me odeio.
Um velho mancebo,
que se apaga e jamais inflama.
Um calhau sem matéria no meio.
Agora percebo:
Ninguém me liberta,
não mais do que me prendo.
Este veneno que bebo,
que me afaga no seio da morte certa.
Um Ser que não é mas vai parecendo.
Agora percebo:
Ninguém me elucida,
não mais do que me confundo.
As orações ao Verbo,
que nunca ressuscitaram vida.
Um bicho do fim do mundo.
Março 16, 2021
Algures, nestes tempos em que sonho e realidade se confundem, perdi a alma.
Escrevo quando me seca a língua e humedecem os olhos.
Quando sinto sede de algo que não sei.
Com letras trocadas, palavras baratas e frases desconexas.
Tenho uma queda natural para o erro.
Mas é o erro que me faz e é o erro que me desfaz.
Não há mais. É tudo o que sou.
São cartas que dirijo ao vazio da solidão.
E, hoje, não aguardo pelos seus ecos.
Hoje não aguardo pelos seus ecos.
Hoje não aguardo pelos seus ecos.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.