Queda para cair
Junho 09, 2023
Qualquer um pode cair, mas nem todos se levantam. Há quedas que matam ou invalidam. Se nos roubam a vida, nada mais há. Terminamos com a morte. Aqui, neste ponto final.
Se continuamos, é porque não morremos. Não desta vez. Ainda assim, se for mais que uma ilusão, será apenas uma questão de tempo. Mas poderá não ser melhor. Há quedas que amputam a autonomia. De tal forma amordaçam a liberdade do espírito que, este, se lhe sobra alguma consciência, lamenta cada letra deste paragrafo a que chegou.
Se ainda continuamos, é porque não estamos inconscientes e usufruímos de resquícios de vida. De alguma forma, encontramos motivos ou inventamos forças para quebrar a descontinuidade. Seguramente estamos fragilizados e, possivelmente, tornamo-nos em algo que não somos. Tudo é incerto, mas, por pequena que seja, a pitada de vida pode germinar e dar qualquer coisa. As expectativas, porém, não devem ser mais que nenhumas.
Querendo continuar, mesmo que sem certezas e a medo, é porque somos loucos ou masoquistas. Ou ambos. Talvez, a condição de mortal, imponha uma certa dose de loucura e capacidade de sofrimento, a quem estiver disposto a aceita-la. Podemos, claro, recusar a dádiva. Mas, se não a recusamos, aceitamo-la, mesmo que de forma tácita.
O divórcio amputou-me um órgão que batia no peito. No seu lugar, talvez por feitiçaria das leis de Darwin, nasceu algo como um punho fechado. Bate-me várias vezes por minuto, muitas vezes ao dia. Agride-me tantas vezes à noite. Ontem, por causa da nossa filha, falamos. Custa-me dizer, porque abana com a autoestima e o pouco orgulho tolo que ainda tinha. Custa-me dizer, mas a verdade crua é a única lanterna que preservo no seio das trevas. Custa-me dizer, mas o divórcio fez bem a quem amei e mal a quem nunca amei.
Cair é muito fácil. Levantarmo-nos, nem tanto. Cair é rápido. Levantarmo-nos, costuma ser um processo mais complexo e demorado. Qualquer um pode cair e pode não ter a oportunidade de se levantar. Mas, havendo oportunidade, por insignificante que seja, a forma como nos levantamos, poderá ser o que nos define, ou aquilo que queremos que nos defina.
O facto de ter sido trocado não ajuda, mas como me posso amar se apenas emano covardia e estupidez. Sempre tive medo de cair. Toda a vida, a tentar evitar quedas. Há quedas que não podem ser antecipadas. Outras até podem, mas não as evitamos, porque somos ingénuos ou deambulamos, distraídos, no abismo. Talvez um dia me consiga perdoar e, quem sabe, amar. Talvez, se conseguir trocar o medo de cair, pela coragem de procurar melhores maneiras de me levantar.