Mariquices
Julho 18, 2022
Esporadicamente lembro-me da minha professora de Química do Ensino Secundário. A professora Raquel. Recordo os seus termos pitorescos: como "Cálculos Estequiométricos" ou "Mariquices", este último para designar questões menores, de importância menor, que desviam o foco da questão principal.
Antes de continuar, convém-me expor uma pequena Declaração de Interesses (ou desinteresses):
Mergulhando nas profundezas da memória, percebo que desde cedo me defini sexualmente - ainda que de forma inconsciente - como heterossexual. Posso afirma-lo após uma detalhada introspeção, feita esta manhã, enquanto conduzia para o trabalho. Uma sessão de auto-hipnose em movimento enquanto me recordava do quanto ansiava por ver, na televisão a preto-e-branco, as atuações das "Doce". Na altura não sabia que era uma "Girls Band". Nessa tenra idade nunca senti a mesma vontade avassaladora de ver, por exemplo, o "Quarteto 1111". Para mim não são necessárias mais provas para que possa afirmar perentoriamente a minha heterossexualidade.
Hoje, com o peso de mais alguns anos em cima do lombo, após o consumo de toneladas de carne carregadas de hormonas sintéticas, peixes plastificados com molho de chumbo e consideráveis doses de soja transgênica, continuo a ter a mesma convicção… mas já lhe atribuí mais importância. Na minha opinião - que vale tanto como menos de nada - algumas sociedades têm propensão para generalizarem e extrapolarem pormenores. Entre essas generalizações, temos a questão da Sexualidade. A Sexualidade deveria ser apenas um dos muitos vetores que nos definem enquanto indivíduos únicos. Creio que não nos deveríamos focar tanto na questão da orientação sexual e exacerba-la, ao ponto de ocultarmos sob a sua sombra inflada, a questão que realmente deveríamos cuidar e defender: o direito à liberdade individual de cada um.
Parece-me - e estou quase sempre errado - que se tem vindo a obter alguns progressos na defesa de direitos relacionados com as questões relativas à Sexualidade, mas, em simultâneo, temos vindo a perder a nossa verdadeira identidade, reduzindo-a e catalogando-a em estereótipos simplistas. Temos estado, inclusive, a sacrificar a "sagrada" Liberdade de Expressão. Suponho que, a partir deste momento, corro o risco de, daqui a uns poucos anos quando for famoso (para mim ser famoso é ter mais que «sem» seguidores no blog) ser “Cancelado”... ou, com a crescente radicalização, "Vaporizado", nos termos de Orwell.
É relativamente fácil criticar e, pessoalmente, reparei que quanto menos sei e quanto menos penso sobre determinado assunto, mais facilmente o consigo criticar. Prefiro, portanto, servir-me da autocritica e procurar cultivar a compreensão. Por isso não escrevo este pequeno texto para criticar as orientações sexuais, os ataques à liberdade de expressão ou outras quaisquer liberdades individuais. Quero, apenas, manifestar uma breve frustração linguística:
Prende-se com o acrónimo que alguém (por ignorância própria, não sei quem) escolheu para designar as pessoas sexualmente diferentes do dito "normal": "LGBTQIA+". Parece-me, honestamente, o layout de um teclado, como "QWERTY" ou "AZERTY" e é uma expressão sem qualquer lubrificação oral: difícil de decorar e mais difícil de verbalizar ou manter numa conversa. Uma pura falta de estética linguística, de gosto duvidoso e falta de imaginação. Podíamos, se é que posso sugerir, regressar à questão do Sexo dos Anjos, e usar, por exemplo, apenas a palavra "Anjo" em oposição a "LGBTQIA+". Os anjos não se definem pelo “sexo”, não se reduzem a essas “Mariquices”. É certo que alguém (da Opus Dei, por exemplo, mas não só) poderia, à posteriori, e servindo-se de alguma malícia, sugerir que seriam anjos caídos e passariam a usar o termo “Demónios”. Já me estou a autocriticar mas, de facto, a ideia parecia ser melhor do que realmente é. Ainda assim, numa perspetiva de que somos capazes de nos movimentarmos num espectro que vai do melhor ao pior, o que somos nós, senão uma mescla de anjos e demónios? Umas vezes anjos, outras demónios. A maior parte das vezes ambos ou nenhum. Com certeza é que não somos acrónimos pomposos e muito menos um tijolo de uma categoria redutora. Somos, todos nós, apenas humanos. Mas humanos inteiros.
Por vezes sinto que esquecemos o essencial para nos perdermos na densa floresta dos acessórios. Mas não deixa de ser um sentimento de alguém perdido.