Escrevo, mas pouco tenho a ver com isso
Outubro 20, 2024
Escrever implica, para mim, um compromisso. Preciso de tempo, solidão e muita introspeção. Sempre me foi mais fácil conseguir a solidão e menos os outros. E, se o quotidiano devora o tempo, a introspeção dilui-se no cansaço, crónico e progressivamente mais incapacitante.
Fugazmente, a espaços cada vez mais distantes, arranho a tríade e consigo quebrar as amarras do estilo de vida que mata. Mergulho no etéreo mundo das ideias. É nesse universo, onde a gravidade perde peso, que me despojo de tudo e me rendo. Abraço a resignação de um pescador, que lança o anzol a um mar de incertezas, e flutuo. Às vezes, nesse limbo, uma espécie de energia seduz o corpo de um poema, ou dá luz a um pensamento. Acontece algo que talvez para muitos não seja nada, mas - pela minha pequenez - soa-me grandioso.
Nunca quis ser proprietário de algo, que se encontra para além da minha compreensão ou entendimento. Não senti, sequer, a vertigem. Não me passa a ideia de tentar aprisionar esse bater de asas indomável, esse esvoaçar de mistérios tão primitivos como insondáveis. Sinto-me privilegiado e nunca merecedor.
Para mim, o desafio maior é conseguir traduzir a subtileza das emoções. É uma impossibilidade, como descrever sentimentos e processos que ocorrem na alma, quando os mistérios de uma música nos embriagam e possuem a carne. Porque sou um mero amador, de escassos recursos técnicos e a anos-escuridão de poder - ou querer - ser escritor, debato-me, incontornavelmente, com essa frustração. Como partículas em ebulição, tantas vezes as letras confundem-se e confundem-me.
Identifico, ainda assim, alguns textos que escrevi no passado. Pelos erros, a pobreza na linguagem, as discordâncias gramaticais e as incoerências na pontuação. A incompetência sempre foi a minha assinatura. Sinto até, muitas vezes, que estrago e desvirtuo, o que a "energia" queria transmitir. Espero, nesses momentos, que outros, mais capazes, consigam passar a "mensagem".
Finalmente, porque estou a falar de energia, como algo transcendental ou quase espiritual, e sendo eu uma pessoa descrente, poder-se-á pensar que estamos perante um paradoxo. Um paradoxo que, contudo, termina no instante em que começa: eu acreditar que sou uma pessoa descrente. Por outro lado, para evitar alguma possível incongruência de raciocínio, posso - de forma mais ou menos covarde e à velocidade da luz – esconder-me na equação "E=mc2". Tudo o que é misterioso, ou habita os horizontes do desconhecido, poderá ser explicado e relativizado por fórmulas matemáticas e regras da física. Talvez. Pessoalmente, não sei.
Apenas sinto que escrevo, mas pouco tenho a ver com isso.