Chave
Fevereiro 07, 2023
Vivemos num pequeno abrigo.
Este é o meu mundo e tudo o que conheço está aqui.
Um espaço exíguo, sem janelas.
Do teto, cai uma velha lâmpada de tungsténio e baixo consumo.
Uma luz trémula, que dispersa algumas sombras e revela bordados de bolor.
Não é muito, mas tem o necessário para subsistir.
Quando me sinto triste, fecho os olhos e sonho com mundos de que ouvi falar.
Depois passa e, novamente, regresso às paredes.
Lá fora – dizem – há monstros que apenas conseguimos imaginar.
Contudo, uma porta de aspeto pesado, encerra-os do outro lado.
Apercebo-me que as mãos, transpiradas, seguram uma chave.
Sinto que, se a colocar na fechadura e rodar, posso destrancar o acesso.
É preciso coragem para o fazer e, suspeito, uma força desumana para empurrar:
são muitas as resistências da inércia e do medo do desconhecido.
Penso para mim:
"Ao fim de tanto tempo, para quê faze-lo?
Passaram tantos anos que já nem sei.
Para quê abdicar da segurança e do abraço deste meu aconchego?
O que poderei ganhar? Se sair...
Mas, por outro lado, o que poderei perder?
Serão os monstros reais? Uma profunda convicção diz-me que sim.
Mas e se, para além de monstros, existirem maravilhas monstruosas.
Sinto o abrigo, por vezes, como uma prisão.
Que mistérios me aguardam do outro lado?
Posso, sempre, deixar tudo como está.
Já tantas pessoas nasceram e morreram sem nunca abrir a porta.
Tantas que nem se aperceberam da chave ou, tão-pouco, suspeitaram estar fechadas.
E aquelas que se enganam e dizem ser livres sem nunca terem rodado uma chave.
São pequenos atalhos, em forma de armadilha, com que a prisão nos seduz. Para alguns, isso chega.
Talvez chegue para mim.
Posso não fazer nada e continuar a olhar para a velha lâmpada.
A sua luz, com certeza, me há-de bastar."
O abrigo é uma mente fechada.
A lâmpada é o ego, que nos permite ver um pouco, mas que tanto nos cega.
A chave é o conhecimento que - pode estar na forma de um livro - tem o poder de trazer luz e abertura de espírito.
Posso dizer-te que atrás de uma porta há outras portas e, atrás de outras portas, há ainda mais portas.
Mas, por cada porta que abres, cresces e alargas o teu campo de visão.
Nessa altura verás o quanto somos pequenos e o quão grande e maravilhoso é o mundo.
Posso dizer-te que - feliz ou infelizmente - não há atalhos, mas…
- Nas mãos seguras uma chave.