Há muitos anos transpirei esta algaraviada:
"
Sei apenas que, apesar das inúmeras incertezas,
a minha bicicleta corre mais que todas as tristezas.
Milhões de quilómetros por segundo,
a velocidade a que voam os sonhos.
Milhões: um número ambíguo e vagabundo,
um infinito de infinitos medonhos.
É assim a minha bicicleta:
corre a milhões de quilómetros por segundo.
Levanta voo sobre a realidade incerta,
para lá do céu e da gravidade do mundo.
Desfigura-se-me, nas descidas, a visão,
com toda a liberdade nas retinas.
Choram os olhos com imprecisão,
com o rasgão na monotonia das rotinas.
E a paisagem penetrante em ebulição,
com o vento a uivar segredos nos cabelos.
A estrada em que os três tempos fazem a junção,
num asfalto que enterra e cobre os pesadelos.
Pedalo cada vez mais depressa
e as tristezas não me vão alcançar!
Pedalo como se cumprisse uma promessa
e as tristezas não me vão alcançar!
Pedalo numa pressa que me apressa
e as tristezas não me vão alcançar!
Pedalo ainda mais depressa
e as tristezas não me vão alcançar!
Sei apenas que, apesar das inúmeras incertezas,
a minha bicicleta corre mais que todas as tristezas.
E, de facto, mais que tudo corre;
mas só corre enquanto o meu vigor não morre…
São, agora, duas horas da madrugada
e eu estava quase a sonhar.
Há alguém ou algo a bater à porta gelada
e vou espreitar, mas até já posso adivinhar:
- Bastardas... Foi difícil encontrarem-me?
"
- Chegou a mota.