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Quinta Dimensão

Contacto

Setembro 05, 2024

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A Geometria diz que, por um único ponto, passam infinitas retas.

Um Universo de possibilidades para este breve ponto azul.

Também é dito que, por dois pontos, passa uma única reta.

Haverá, nas profundezas do espaço, um outro ponto com vida?

Se houver, ainda que invisível, a estrada está desenhada.

Um Sonho nos Sonhos de Einstein

Agosto 27, 2024

  

 

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23 DE AGOSTO DE 2024

Sobre o alto das montanhas, a lua derrama um manto de âmbar que, gota a gota, pinga densamente sobre o vale. A luz fraca, que emana dos lampiões, dissolve o luar e esfiapa-se na neblina condensada pela madrugada. Quebrando a matéria negra, ou serpenteando as espaçadas partículas luminosas, odores doces – nascidos ainda na primavera – findam-se como espuma das ondas. Tudo num profundo silêncio, apenas quebrado, aqui ou ali, pelo breve latido de um cão longínquo.

No passeio, junto à estrada, um homem de meia-idade faz as últimas verificações à bicicleta e à mochila que, a custo, ergue até à curvatura das costas. Prepara-se para enfrentar a solidão e os desafios de mais uma viagem. A sua mente, que durante o ano nada mais é que o retrato desta noite, anseia as primeiras pedaladas. Precisa, pois, de vencer a inércia e dá início ao movimento. Com os primeiros metros, a trémula lanterna acoplada ao capacete, alumia a ambição de um destino, mas não é isso que verdadeiramente lhe importa. O que precisa é, tão-só, de um norte e estrada infinita para percorrer, até se cansar e não poder mais.

Neste mundo, quanto mais quilómetros o homem pedalar, menos tempo passará e mais tarde chagará a velhice. Pois, com a velhice, chegam as dores e a sonolência dos reflexos, os esquecimentos e as falhas de memória, o esquecer-se e o ser esquecido. Com a velhice, os sonhos – aqueles que ainda não se foram embora – esmorecem e degrada-se a esperança que os alimenta. Morrem os nutrientes da vontade de viver.

Nas suas infinitas dúvidas, o homem acredita que esta é apenas uma dimensão do Espaço-tempo e que há mais dimensões que estrelas visíveis no céu. Mundos com espaços e tempos próprios ou – quem sabe – impróprios. Diferentes configurações, com as suas regras e exceções, leis e transgressões. Cogita, nas suas inseguranças e ignorâncias, que todos estes mundos estarão em rota de colisão, rumo a uma singularidade. Um devorador, que dá pelo nome de Esquecimento.

Restos Imortais

Junho 28, 2024

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Alguém, um dia, sonhou com a possibilidade de desenhar sons

e nasceram os hieróglifos, as letras e as palavras.

Alguém imaginou que, agrupados numa orquestra,

os sons podiam esquissar melodias e as palavras sedimentar frases.

 

Surgiu, também, a necessidade de contar, somar e subtrair

e, dessa necessidade, conta-se uma história, que até nem começa do zero.

Contudo o zero fazia falta e soubemos integra-lo.

 

Hoje, neste quadro semiabstrato, temos música, literatura e matemática.

Temos os livros e conhecimento básico para procurar e questionar.

O que não sabemos é tão, ou mais infinito, quanto o universo que nos acolhe.

 

Como indivíduo, ou como espécie, temos sempre algo a aprender.

Nem que seja escutar ou amar melhor.

Creio, portanto, que nesta condição de mortais, aprender é tudo o que nos resta.

Vírgula

Janeiro 29, 2024

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Estamos no fim de janeiro e a “Quinta Dimensão” exibe, há mais de um mês, a complexa mensagem de “Boas Festas”.

Pode dizer-se que o seu autor é preguiçoso. Sim pode dizer-se. Mas, por outro lado, pode ser a tentativa do mesmo em esticar a magia da enigmática mensagem até às fronteiras da Páscoa. Nessa altura, depois de uma travessia na aridez do deserto, o blog ressuscitaria e, envergando uma renovada e iluminada roupagem, derramaria, sobre o mundo, um manto de conhecimento e consciência que elevaria a humanidade ao Tipo III na escala de Kardashev.

Descendo à terra…

É apenas falta de ideias, de inspiração e bagagem intelectual. Sinto-me um velho carro a tossir um ou dois pulmões, através do Parkinson de um carburador ressequido e pré-histórico.

Noto a mente cansada e, cada vez mais, o processador de texto sublinha mais palavras com um ziguezagueado vermelho. Nem sempre tem razão, mas não poucas vezes tenho que lá ir emendar o erro ortográfico. Ainda, outras vezes, o computador já não tem paciência e coloca, sem aviso prévio, o acento na palavra que seguia em pé. Depois há as vírgulas, que me parecem peças de Lego estragadas que não encaixam bem em parte nenhuma. Sinto, também, um cansaço na alma, se é que tenho uma, seja lá o que isso for.

A minha filha tem andado a escrever pequenas histórias e é engraçado sermos puxados para os mundos imaginários das crianças. Na sequência, lembrei-me de um conto que escrevi em 2007 e de como era ingénuo.

Acho que nunca mais vou conseguir escrever um texto decente ou com mais de uma página. Muito menos algo parecido com aquela treta:

 

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O Encantador de Serpentes

 

Esta história nunca aconteceu. Passou-se em terras do oriente mas poderia passar-se em outro qualquer lugar. Passou-se há centenas de anos atrás mas poderia, perfeitamente, acontecer hoje. Narra a ventura de um homem especial mas poderia, também, ser a história de um qualquer homem comum.

 

Era uma vez um homem humilde que habitava um modesto casebre com a sua esposa. Viviam sós e não tinham filhos, porque a mulher era estéril, mas o amor que os unia era fecundo. Um era o tesouro do outro e, nessa perspectiva, como poderiam ser pobres? As dificuldades eram grandes mas, para quem ama, nunca são maiores que o coração. Apesar dos escassos recursos materiais pode dizer-se que viviam felizes.

 

O que tornava este homem especial era a forma como ganhava o pão do dia-a-dia. Quando jovem, vagueou com seu pai por terras longínquas, numa jornada em busca do auto-conhecimento e das riquezas interiores. Passou por países como a Índia, o Nepal e a China, chegando mesmo a alcançar a longínqua fronteira da Mongólia. Foram anos difíceis mas, por aquilo que aprendeu, só poderia ter consigo um sentimento de gratidão. Durante essa extensa viagem, estiveram acampados durante largos meses, numa remota localidade Indiana, onde conheceram um velho brâmane errante que sabia dominar as serpentes. Para dominar uma serpente – dizia ele – é preciso entender que o homem e a serpente fazem parte de um todo: o Absoluto. Assim, com meditação, o homem e a serpente deixam de ser dois seres para se tornarem um. Dominar a serpente era, dessa forma, tão fácil como dominar um dedo ou um braço. Para além do encantamento, o brâmane era entendido na arte de lidar com as mordeduras e os respectivos venenos. Adquirira uma estranha imunidade e afirmava que o veneno é apenas uma parte da vida, da mesma forma que também a morte é uma parte da vida. Há vida no veneno, só é preciso saber procurar. O velho habitava esta terra material mas comungava com outros mundos invisíveis que compõem o Absoluto. Era, apesar de humilde, muito instruído e um excelente professor. Não demorou muito, por isso, até que passasse para o homem a sabedoria e os conhecimentos que permitiam encantar serpentes e enganar a morte na forma dos seus mais variados venenos. Assim, o ganha-pão do homem, agora mais velho, consistia em sentar-se na praça central e exibir o seu talento aos mais curiosos a troca de algumas moedas. Enfeitiçava serpentes e fazia-as dançar, numa maneira de ganhar a vida como outra qualquer. De quando em vez, porém, quando o dinheiro para comer escasseava e o público se mostrava mais generoso, deixava-se ser mordido por elas, e foi ganhando fama como o homem que conseguia enganar a morte.

 

Um dia, a história do homem que resistia aos venenos, chegou aos ouvidos do Vizir. Como este se encontrava em vias de organizar uma festa no palácio real, decidiu convoca-lo para servir de principal atracção. Havia, no seu palácio, um grande jardim zoológico onde habitavam alguns dos mais exóticos animais dos quatro cantos do mundo. Pediu, portanto, que fosse escolhido e preparado o espécime mais venenoso, de modo a que a sua toxicidade fosse experimentada no homem. A história soava-lhe a boato mas seria, com certeza, um número circense diferente do habitual e iria muito certamente agradar aos seus ilustres convidados estrangeiros. O humilde homem não podia negar um pedido tão honroso do Vizir e prontificou-se a servi-lo de acordo com a sua inquestionável vontade.

 

*** Passaram poucos dias, até que esse dia chegou por fim. ***

 

A festa estava animada mas havia uma certa ansiedade dos presentes para assistirem à grande prova do veneno. Gradualmente foi-se formando a respeito um enorme burburinho entre a multidão. Uns diziam que era impossível resistir aos venenos, enquanto outros asseguravam que não, que era possível em alguns casos. Outros, ainda, diziam que até podia ser possível resistir a alguns venenos mas não ao veneno do espécime peçonhento que aguardava. Então, quando o burburinho se transformara em gritaria, uma voz seca de trovão anunciou a chegada do Vizir que, por sua vez, disse de imediato:

- Hoje vai saber-se, se o homem que se encontra de pé à minha frente, é um homem de bem, abençoado pela sabedoria dos Brâmanes, ou se, pelo contrário, é um impostor que quer enganar o povo para proveito próprio. Este homem vai ser testado de forma que não restem dúvidas sobre o que apregoa. Se for realmente imune ao veneno farei dele um sábio da minha corte e ouvirei os seus ensinamentos. Porém, se nos estiver a enganar e não sobreviver, a sua bela esposa, que se encontra a seu lado, será executada para que este dia sirva como exemplo a todos os desonestos. Que comece a prova!

 

- A Mamba negra é a serpente mais venenosa do continente Africano. Caso não seja tratada de forma célere, a vítima da sua mordedura fica paralisada e muito dificilmente escapa a uma morte agonizante. Se este homem se mostrar imune ao veneno é, sem qualquer margem de dúvida, um homem santo. – Assim disse, com uma voz grave, o experiente tratador dos animais, responsável pela escolha de tão exótico espécime.

 

Foi pedido ao homem que estende-se o braço direito e afastasse o manto que lhe ocultava a pele. A serpente, agressiva por natureza, foi aproximada e desferiu duas rápidas mordeduras, injectando grande quantidade de veneno. Nunca o homem esteve sujeito a tal veneno e em tão grandes quantidades. De repente os seus joelhos dobraram-se tendo, de imediato, prostrado o olhar no chão. A esposa abraçou-o e assim ficaram, agachados, enquanto todos no salão tentavam espreitar mais alto para saciarem a curiosidade mórbida inerente ao ser humano.

 

Faz parte de um todo: a serpente e o homem, o veneno e o sangue. A morte e a vida. O Universo diz-nos que para tudo é preciso um oposto, afim de haver um equilíbrio. Como pode o homem dar real valor à vida se não tiver consciência da sua morte. O que ao homem comum parece caos, ao sábio parece lógico. Porque, continuamente e de forma renovada, os equilíbrios desequilibram-se e os desequilíbrios equilibram-se, numa contribuição para o equilíbrio maior. O sábio não olha os acontecimentos como elementos isolados mas, antes, como parte integrante de um grande processo. Mantém a equanimidade porque, para além do relativo, estuda as propriedades do Absoluto. É um geómetra que sabe ler, interpretar e compreender os sinais do Universo pois eles são, por si só, uma linguagem própria. O verdadeiro sábio é humilde e com humildade se levanta e diz ao Vizir:

- Perdoe, Vossa Majestade, a minha ausência momentânea. Precisei de meditar porque, com tanta agitação, desuni-me momentaneamente do Absoluto. Mas agora estou bem e às ordens de Vossa Eminência.

 

O Vizir, convencido e convertido, decretou que, doravante, o homem deixaria de ser pobre. Por mérito próprio conquistara um lugar de sábio na sua corte. Iniciaria as suas novas funções logo no dia seguinte. E a festa continuou, noite dentro, com grande animação até de madrugada.

 

***

 

No dia seguinte o homem não apareceu. Estranhando a ausência, do agora sábio, o Vizir enviou dois mensageiros ao casebre para se inteirarem do porquê da respectiva demora. Apesar de ser experiente e vivido, não conseguia disfarçar algum nervosismo, enquanto vários pensamentos o desassossegavam. Algumas horas depois chegaram os servos, regressando cabisbaixos.

- Então, o que se passa? – Perguntou, inquieto.

- Vossa Majestade: as novas que trazemos estão, infelizmente, carregadas de trevas… O homem e a respectiva esposa morreram envenenados. A esposa encontrava-se deitada sobre o leito, enquanto o homem jazia suspenso numa forca improvisada.

- Não estás a ser coerente! – Afirmou o Vizir com surpresa e ferocidade – Como podes afirmar que o homem morreu envenenado e, logo a seguir, dizeres que estava suspenso numa forca? E como poderia o homem morrer envenenado se, ainda ontem, se mostrou capaz de resistir a um dos venenos mais fortes conhecidos pela humanidade?!

- Bem, Vossa Majestade, o pobre homem deixou uma carta…

 

A carta tinha inscrita a seguinte mensagem que o servo passou a ler em voz alta:

 

Parece, Vossa Majestade, que não vai ser possível apresentar-me no palácio para ter a honra de lhe transmitir os ensinamentos que, um dia, outros sábios me passaram a mim. Porém, quando terminar de ler esta mensagem, espero que possa apreender o maior ensinamento de todos. O ensinamento que supera todos os outros.

Ontem, após terminada a festa em que muito me honrou participar, eu e a minha esposa pusemo-nos a caminho de casa. A meio da caminhada uma serpente, esgueirando-se de surpresa e de forma rápida por entre a seara, mordeu-lhe com gravidade um calcanhar. O resultado foi uma morte em agonia nos meus braços, não podendo eu fazer nada para o evitar. De todos os venenos do mundo, este era o único para o qual não estava preparado, pois não fora directamente dirigido a mim. Fui para casa, carregando-a nos braços e, quando lá cheguei, deitei-a sobre a cama. Olhei para ela ali, inanimada, enquanto dormia um sono perpétuo, e tamanha angústia fez com que deixasse de me sentir parte de um todo. Senti-me, tão-somente, parte de nada. Bem ou mal decidi, nesse momento, que queria seguir os passos do amor da minha vida e partir pelo mesmo caminho que ela havia tomado. Decidi que tinha de a procurar e, portanto, lançar-me à maior expedição da vida… Se a vou encontrar? Quem sabe?... Mas a pergunta a fazer não será tanto essa. Essa é uma pergunta que unicamente a mim diz respeito. A pergunta relevante será, Vossa Majestade: qual o maior ensinamento que lhe posso deixar? …

 

Aqui, o servo deteve-se e, comovido, preferiu entregar o escrito ao Vizir. Este segurou a carta e leu o ensinamento em silêncio, enquanto uma lágrima lhe percorria os contornos do rosto.

 

Era um homem que se unia às serpentes para não morrer, mas era o facto de estar unido ao amor da sua vida que o fazia viver. Era um homem sem nome porque, talvez no fundo, fosse um homem comum. Era um homem que habitou um passado longínquo mas, ainda hoje, o seu derradeiro ensinamento parece verdadeiro. Era, também, um homem de terras distantes mas com uma história que toca de perto os nossos corações. Era um homem que, de facto, morreu envenenado. O que estava escrito, no final da carta, foi transcrito para o final deste conto:

 

O maior veneno para o homem é a falta de amor”.

 

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Fragmentos

Dezembro 15, 2023

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Assombra-me um velho outono,
umbrífero, de galhos áridos.
Agasalha-se de névoa e sono
e despe-se de significados.

Arrefeceu, faz muito tempo
e o interior tinge-se lúgubre.
Sibilam fantasmas sem corpo,
num corpo de mente insalubre.

Há um vácuo que me gravita,
veneno que entope olhos fracos.
Do breu das cinzas, algo crepita...
Vejo, só, fragmentos cardíacos.

Boa noite, Noite

Agosto 24, 2023

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Que as ondas sonoras do mar, no seu voo,
encontrem a tua janela.
Que a música pouse na almofada onde, no silêncio,
proteges os sonhos.
Que a maresia te embale e, num manto de seda,
envolva a pele nua.
Que a Lua te beije os lábios e, ao ouvido,
segrede: "boa noite".

Repor Definições de Fábrica

Agosto 06, 2023

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Este texto é, especialmente, para mim. Não é um texto poético, onde me posso esconder, ou dissimular o que sinto, atrás de estrofes encriptadas. Faz parte de um esforço genuíno para cultivar verdade e preservar safras menos desonestas do carácter.

 

Ter um compromisso com a verdade é uma tarefa que exige atenção e vigilância permanentes. Por vezes há desvios, uns mais conscientes que outros, mas com o mesmo resultado: a inverdade, que mais não é que a mentira. Seria cómodo considerar meias verdades, ou meias mentiras, mas o caminho da autenticidade exige disciplina e uma capacidade de autoanálise fria e rigorosa. É, pois, ridiculamente fácil falhar e, não poucas vezes, falho.

 

Recentemente escrevi uma imprecisão, quando referi que não me considero uma pessoa deprimida. Para ser honesto, deveria ter afirmado que gostaria de não me considerar uma pessoa deprimida. Uma nuance que, desde a altura em que cometi a imprecisão, me anda a moer. Fica a correção.

 

Fora da escrita, no mundo dito “real”, criei o hábito de cerrar fileiras e de - atrás de um rosto fechado ou mesmo sorridente - ocultar o caos interior que tantas vezes me assombra. Ninguém, fora de mim, precisa de saber o esforço que faço para manter a união dos ossos do esqueleto. Foi, por esse motivo, que, um dia, criei este pequeno espaço de liberdade, onde - apesar de não saber quem sou - não tenho que ser quem não sou. Aqui sou anónimo, muitas vezes até para mim. Posso falar do que quero. Se quiser, posso até falar do que não quero. Ás vezes, por falta de tempo, em virtude de uma débil dedicação, ou até mesmo por falta de coragem, não consigo fazer a transição completa do personagem “real” para a genuinidade do "eu" do mundo da escrita. Fica a justificação.

 

Por fim, reparei que quase deixei de sonhar. Transformei-me numa espécie de máquina e, com ineficiência, percorro os dias e sobrevivo às noites. Aboli, das minhas leituras ou cogitações, qualquer vestígio de romantismo. Tudo isto é uma fotografia descolorida, mas traduz-se num retrato preciso.

 

Reposta a verdade, bem sei que tenho poucas aplicações.

Silêncio por linhas tortas

Julho 17, 2023

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Só, junto a esta ferrovia,
esmoreci quando não previa.
Só os comboios sabem onde vão,
o resto é fuligem e carvão.

 

A ferrugem dos carris nas linhas,
que entram no Douro e nas vinhas.
Socalcos, ravinas e aldeias
e fumo que tolda as ideias.

 

A solidão oprime cá dentro,
entre pensamentos, que esventro.
Castanheiros, Carvalhos e Pinhais,
golpes de mil infinitos punhais.

 

Porto a Pocinho, via Régua,
vidros refletem olhos e água.
Entre montes, fixo uma serra
e, calado, ouço “pouca terra”.

Maestro

Julho 13, 2023

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Tenho mais recordações da infância que do dia de ontem. Talvez porque, em determinada altura da vida, dei por mim a tentar esquecer mais do que queria lembrar. Ainda assim, são memórias com quarenta anos. E, com tanto tempo passado, os fungos da imaginação, ou os engodos da mente, corroem a pureza dos factos, até que as certezas se tornam incertas e as lembranças se esfumam ou se confundem. O que não se esqueceu, funde-se e reconfigura-se com realidades alternativas. Às mãos de uma mente dispersa, a realidade pode ser extremamente porosa ao reino da ficção. Assumo, portanto, que ao procurar lembrar, corro o sério risco de cometer graves imprecisões.

 

Na praceta, protegida pela estátua do Soldado Desconhecido, desaguam quatro caminhos que se encontram num caprichoso cruzamento. O saudosismo da Rua Guerra Junqueiro, que parece extraído das velhas minas de São Pedro da Cova, passa o testemunho à Doutor Severiano que, logo de seguida, o perde na Carvalha. Na perpendicular, a infindável Avenida General Humberto Delgado, que brota do centro de Gondomar, banha o colégio dos Capuchinhos e rende-se, por fim, ao paralelo da Rua do Valado, que aponta ao pavilhão de Hóquei. Do lado direito do Soldado e sob proteção da sua G3, está a decrépita mercearia do Senhor Alberto e da Dona Odete.

 

Antigo casebre mercantil, recebe os escassos clientes, com uma pequena porta e uma breve escadaria. Meia dúzia de passos em frente, sobre um chão avermelhado, oculto por alguma sujidade e muita erosão, um curto balcão em mármore, com a altura da cintura de um adulto médio. Assenta sobre um móvel de madeira comprido, que incrusta uma janela em vidro, para exposição de broa de milho e afins. Na extremidade esquerda, para quem entra, o móvel exibe uma abertura e, sobre ela, a mármore dá lugar a uma espécie de ponte levadiça em madeira, por onde apenas o Sr. Alberto e a D.ª Odete têm permissão de passar. Sobre o mármore assenta uma balança de pratos, de um branco, tão pretérito, que se converteu ao sépia. Ao lado da balança, uma ninhada de pesos enferrujados e, logo a seguir, uma vitrina claustrofóbica, pouco maior que uma caixa de pão. Dentro da caixa de vidro, uma parca variedade de pastéis. Os bolos abrigam-se de um bando de moscas que, desprovidas de mais nobres sentidos, gastam a vida a voar em círculos. Do lado de lá do balcão repousam, guarnecidos por manguitos, os braços lentos do Sr. Alberto, que se juntam aos papéis rabiscados por contas de ocasião e livros razão, com as dívidas dos fregueses que só compram fiado. O velho merceeiro é meu amigo, mas obriga a minha mãe a recordar-me de forma veemente, sempre que me envia a fazer recados, que não quer o troco em rebuçados. Atrás do seu corpo pesado, uma porta de duas abas, encerra todo um manancial de produtos, que se escondem dos olhares de pessoas estranhas ao serviço. Muitos são artigos desconhecidos. Alguns estão esquecidos, debaixo de uns outros, inacessíveis. Só aparecem quando são expressamente pedidos por alguém informado. Outros, ainda, jamais verão a luz do dia. Do lado de cá, à direita da entrada, mais ao fundo, uma montra generosa dá para a rua. Ostenta meia dúzia de brinquedos, cuja cor fora já carcomida pelo Sol e recebe os raios de luz, que se prolongam até uma pequena mesa no canto. A luz alumia-lhe o verniz estalado que, à vista desarmada, falhou em proteger os veios e os nós da madeira. Um pequeno banco manco, que se esconde sob a mesa, é o lugar cativo que, todos os dias úteis das semanas inúteis, é religiosamente reclamado pelo Serra.

 

Serra, só de nome, porque é um homem de estatura média e aspeto franzino. Deve ter os seus 50, mas os problemas de saúde fazem com que pareça mais velho. Dizem que só tem um pulmão e que, por estar tão dependente da bebida, um dia apanhou uma congestão por beber água. Mas o povo é um pródigo criativo, capaz de inventar merdas que não lembra ao diabo. Veste uma gabardina leve, bege, que lhe confere um ar de inspetor. Os óculos, com lentes garrafais, elevam-no a um patamar de intelectualidade, apenas desfeito por lamentos entre goladas de Aldeia Velha. Uma boina, em bombazina, num padrão de quadrados e matiz castanhos, completa a indumentária e dá-lhe uma certa altivez, uma nobreza intrínseca que emana dos perdidos. A memória não permite que me recorde de uma única palavra que o Serra tenha dito, mas guardo-o, para mim, como um poeta. Não esqueço que tolerava e simpatizava com um pirralho travesso e, do pouco que conheci, parecia ser um homem bom, possivelmente com boas palavras.

 

Mais ou menos a meio, o pequeno copo de bagaço exibe uma ténue linha azul, possivelmente com o intuito de recomendar uma dose que não deve ser excedida. A recomendação não passa disso mesmo e, depois de alguns copos excedentários, o Serra sai da mercearia. Com a coragem de um comandante, que é enviado para a guerra, apodera-se do cruzamento e assume uma postura sóbria e autoritária. Levanta a palma da mão direita e faz com que os carros, que vêm da avenida, parem e formem uma fila. Com o outro braço, incentiva o troleicarro, de dois andares, a subir a Guerra Junqueiro. Desengonçado e com as hastes bamboleantes, o pesado de passageiros, agarra-se, como pode, aos cabos aéreos que traçam o caminho. A corrente elétrica impulsiona a besta e, esta, faz o que lhe mandam. Passam, também, um par de carros que seguem logo atrás, até que, aos restantes, é-lhes ordenado que parem. Depois as outras ruas, até que, por fim, cede à pressão das buzinas dos condutores impacientes que aguardam na avenida. Repete alguns ciclos e consegue uma surpreendente fluidez na circulação do cruzamento. Passados uns minutos, já com alguns escudos no bolso, volta à mesa da mercearia. Senta-se no banco e, enquanto conversa com o Sr. Alberto, observa o pequeno cálice. A aguardente jorra da garrafa e afoga a ténue linha azul.

 

Nunca percebi como conseguia que todos os condutores o respeitassem. Como conseguiu dominar as feras que possuem os veículos e os submetem à selva das estradas. E como eu invejava o trabalho de sinaleiro que o Serra tão bem fazia… Ao longo dos anos, o cruzamento foi alvo de vários acidentes, mas – ficção ou realidade – não me lembro de um único com o Serra a orquestrar o trânsito.

Rádio I AM

Junho 25, 2023

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Aparelho de estática,
numa frequência apática.
Ruído em ondas sonoras,
decibéis perdidos nas horas.

Agitas ar sem sintonia,
num padrão de monotonia.
Gritos brancos e desconexos,
que entorpecem os reflexos.

Ausente, em estranhos mantras,
procuras, mas não me encontras.
Talvez não sejas empático?
- Máquina fria de plástico!

Fala! Mas sem dizeres nada.
Nada que fales me enfada.
Ensurdece os meus lamentos!
Clarifica-me pensamentos.

O teu som se ouça a milhas!
A minha voz ficou sem pilhas...

Escravo da Moda

Junho 14, 2023

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Depois do “milagre” da multiplicação de visualizações, voltamos à normalidade. Creio que Deus leva a sério as questões do livre arbítrio e amor infinito, porque acabou por não me vaporizar antes que pudesse escrever o que escrevi. Ainda assim, mesmo sendo omnisciente, suponho que não se importou de abraçar o engodo que lhe lancei e fez questão de afastar as visualizações para ninguém ler. Desse modo, ambos ficamos felizes. Eu, porque volto ao reconfortante vazio da minha “casa” e Ele, porque teve uma atitude bondosa, ao poupar as pessoas de perda de tempo e sofrimento desnecessário.

Ao mergulhar na história do blog, encetei, num fôlego, uma espécie de viagem ao passado. Foi suficiente para perceber que algo mudou. Não me lembro do porquê, mas, a determinada altura (ou fundura) da minha vida, senti a necessidade da adotar um poema que me identificasse. Apenas, claro, para exercício e consumo interno. O primeiro poema a que recorri foi, com alguma naturalidade, “Amador sem Coisa Amada” de António Gedeão. Mais tarde, na lonjura das noites, procurei personalizar algo que me caracterizasse um pouco melhor. Algo que me identificasse e servisse como uma espécie de fato à medida. Não me importei de passar da seda do fato de Gedeão, para a ganga rota e serapilheira desbotada das palavras que cozi. Quis arriscar e cair dentro do poço que bebe de mim. Esse ensaio de poema serviu durante largos tempos, mas creio que já não me assenta. Começo a sentir-me uma espécie de rei vai nu.

Ainda que o monge comece por tecer o hábito, tantas vezes o hábito acaba a fazer o monge. Não quero obedecer nem, tão-pouco, fazer fretes a poemas. Não sei quem sou, mas, ali, já não sou eu. Mais ou menos na época em que escrevi o “Sombra Lunar”, escrevi o poema que, acredito, hoje me cai melhor. Hoje dispo as vestes rasgadas e visto o “Poema Invisível”.

 

 

Amador sem Coisa Amada – Poema de António Gedeão

"

Resolvi andar na rua

com os olhos postos no chão.

Quem me quiser que me chame

ou que me toque com a mão.

 

Quando a angústia embaciar

de tédio os olhos vidrados,

olharei para os prédios altos,

para as telhas dos telhados.

 

Amador sem coisa amada,

aprendiz colegial.

Sou amador da existência,

não chego a profissional.

"

 

Sombra Lunar

"

Parece-me, de noite, ver alguém na Lua,

solitário e prisioneiro do seu lado oculto.

Parece navegar as cinzas numa falua

e arrastar-se no sedimento como um vulto.

 

Existirão seres extraterrestres,

ou será apenas a névoa do meu olhar cansado?

Talvez só chamando cientistas e mestres,

para vencer as crenças e os dogmas do passado.

 

O mais certo é estar aluado,

desgostoso pela gravidade do espaço.

Triste e despedaçado por não ser amado

e ansioso por me deitar num regaço.

 

Mas não!

Não estou louco nem estafado,

muito embora haja quem diz o contrário.

É que não é fácil ludibriar o fado:

lá em cima só eu e este pobre diário.

"

 

Poema Invisível

" "

Agradecentim0$

Junho 12, 2023

Agradecentimos.png

Fez, no passado mês, 16 anos que nasceu este blog. Apesar da relativa longevidade, houve um período considerável de inatividade, o que me leva a considerar a existência de dois períodos: o mais antigo, de 05/2007 a 06/2012 e o recente, de 07/2019 até este presente. Em retrospetiva, tive momentos em que escrevia com alguma frequência e outros em que quase não escrevia, mas não sou, por norma, pessoa de escrever muito. Ainda assim, sinto que posso escrever sobre qualquer coisa. Não porque sei de tudo, mas porque sei de nada. Desse modo, as expectativas são nulas e ninguém está à espera que produza um artigo científico, uma obra filosófica, ou um poema que faça rir ou chorar, enquanto respeita métricas. Nada tenho para ensinar e tudo o que tenho são anseios e limitações para aprender. Se me atrevo a apresentar respostas e essas não forem mais que uma ou mais perguntas, possivelmente estarão erradas. As próprias perguntas, muitas vezes, não serão as corretas. Em suma, escrevi, ao longo de todo este tempo, muitas asneiras.

Não me considero alguém deprimido ou depressivo, mas sinto-me a sombra de um homem que não chegou a ser. Tento, apesar de tudo, não me levar demasiado a sério e equilibrar as tristezas com uma espécie de humor que gravita entre a secura e a corrosão. Com mais ou menos dificuldades, mais ou menos tijolos, procuro cimentar pensamentos que me ajudem a organizar o caos em que, não poucas vezes, me encontro perdido. Elejo, com especial carinho, a poesia como modo preferido de expressão. São pobres poemas que mendigam poesia.

O blog tem passado relativamente despercebido. No entanto, recentemente, foi alvo da atenção da equipa do Sapo Blogs e, por razões que me são alheias, acharam que um dos seus posts merecia ser destacado. Apercebi-me do facto, quando comecei a ter um anormal número de visitas e comentários, que vieram perturbar a habitual pacatez deste refúgio. Quero, portanto, agradecer à equipa do Sapo Blogs, a gentileza que muito me honrou. Aproveito, também, para agradecer a todos os visitantes e leitores, dos mais antigos aos recentes. Na sequência, não posso deixar de enviar um sentido obrigado a quem subscreve, adiciona aos favoritos, ou tira algum tempo para interagir através de comentários. Por fim, destacar e estender o obrigado, a quem escreve e me concede a oportunidade de espreitar as suas histórias ou perspetivas sobre tantos assuntos.

A “Quinta Dimensão” continua a ser um blog pequeno, mas a frenética atividade, que explodiu nos últimos dias, perturbou-me. Primeiro fiquei assustado e, depois, apreensivo. Senti uma espécie de pressão para não desiludir quem pensava ter encontrado alguma coisa que valha a pena. Sem ilusões, não vale. Comecei, de imediato, a pensar como poderia reduzir as visualizações. Talvez, se escrevesse algo que fizesse com que me cancelassem? Ato contínuo, sabia que tinha de escrever algo sobre pronomes. Mas, gradualmente, desacelerei e respirei e acalmei-me. Sossega-me a ideia de continuar abrigado sob a manta do anonimato e pensar que o meu primeiro e mais crítico subscritor é o branco da folha.

Não lido com muitas pessoas, mas noto que umas são boas a arranjar carros, ou a conduzir camiões, ou a fazer planos de marketing, a programar aplicações para telemóvel, escrever pareceres, dar consultoria, vender carros, casas, ou outras coisas, a jogar ténis, xadrez, ou futebol... Enfim, a maioria das pessoas parece saber que é boa a fazer alguma coisa, nem que seja Sudoku ou a solucionar cubos de Rubik. Incomoda-me o facto de, até hoje, não saber a minha real vocação, aquilo que sei fazer melhor. Por momentos, no seio da azáfama do aumento exponencial de atenção que o blog teve, senti uma vertigem e a tentação de pensar que talvez soubesse escrever. Mas conheço minimamente a extensão das minhas limitações, para saber que é mentira e, com a mesma velocidade que a ideia chegou, partiu. Depois, li num dos comentários, de um leitor anónimo, que há bloggers a ganhar dinheiro. Uma, das imensas coisas, onde sempre fui muito mau, foi a ganhar dinheiro. Aquele comentário, somado às centenas de visitas e visualizações recentes, começou a atiçar uma certa ganância que desconhecia existir em mim. Talvez, quem sabe, tenha tropeçado numa mina de ouro? Tinha-me transformado num capitalista psicopata neoliberal e só me ocorria que tinha que monetizar o tráfego no blog. Como uma febre galopante, a busca por poder e fama subia-me à cabeça e, de repente, dei por mim possuído pelo maligno espírito de Sr. Edward Hyde.

Não sei muito sobre ganhar dinheiro, mas leio umas coisas sobre como amansar a voracidade dos impostos. Portugal é um país pouco amigo do empreendedorismo e criar uma empresa não me parece a melhor opção. Nesse instante, uma luz desce sobre mim e ordena-me que crie uma nova religião. Dentro da minha cabeça, ouço, distintamente, “Quinta Dimensiologia”. Tudo acontece de forma rápida e quase não tenho tempo para processar. O tempo urge e tenho de agir.

Entretanto, quem me segue há mais tempo, deve estar a lamentar-se pelo facto de cairmos, novamente, no tema “Religião”. A minha empatia, pois têm toda a razão e prometo que vou procurar uma maneira de reduzir. Devo, no mínimo, uma explicação. De forma resumida, desde tenra idade, até perto dos trinta, fui exposto a doses maciças de radiação religiosa. Suponho que, como Madame Curie, também eu, quando for enterrado, terei que ser encerrado num túmulo de chumbo, de forma a não contaminar almas mais fracas. Mas adiante. Sim, uma religião. Ainda que os mais céticos possam questionar a minha lucidez.

Se me perguntarem, como raio vou criar uma religião a partir de 21 seguidores? Direi “Homens de pouca fé”! Há cerca de 2000 anos atrás, um empreendedor e visionário, criou uma startup, com poucos ou nenhuns recursos, a partir de 12 seguidores. Hoje é uma das maiores religiões do mundo. Tudo bem que tinha um Pai extremamente poderoso e bem colocado no mundo literário, que até já tinha escrito uns posts bastante famosos. Que mais tarde, esses posts iriam ser reunidos, compilados e integrados, pela editora de Gutemberg, num bestseller e que, a essa compilação, chamaram de “Velho Testamento”. Tudo bem que esse Pai ajudou, mas, ao mesmo tempo, não existia toda a estrutura tecnológica e de comunicação que temos hoje ao dispor, como as redes sociais ou o Sapo Blogs. A startup teve alguns desafios, claro. Não vamos escamotear que, se nos debruçássemos sobre a categoria “Ameaças” da análise SWOT, iríamos encontrar “Pôncio Pilatos” e “Império Romano”. Entradas que não davam muita saúde a quem os desafiava. Porém, mesmo apesar da traição de um insider, que se vendeu por uns trocos antes de se encontrar com a forca, foi um investimento na senda da velha escola de Warren Buffet, com fundamentos, sustentação e foco no longo prazo. Obteve, por fim, um sucesso assinalável e inequívoco. Lamento-me, contudo, porque queria um negócio de crescimento um pouco mais célere e não pretendia esperar tantos anos por dividendos. Por isso, nem tudo são rosas e, certamente, serei “crucificado” pelo uso de tantos estrangeirismos. Ganharei, também, com um grande grau de probabilidade, um lugar de destaque, não no Sapo Blogs, mas desta vez no inferno.

Portanto, desisto! Faltam-me alguns atributos para levar a demanda a bom porto. Sou péssimo orador e careço do carisma desse guru inspirador e empreendedor. Há quem diga que sofro da síndrome do impostor e sou compelido a reconhecer que estão meio certos porque, na realidade, o que sou é um impostor, na sua plenitude. Mas, por fim, tudo se há de resolver. Este blog voltará a ser o que era. Já passa da meia-noite e os 15 minutos de fama devem estar a esgotar.

Queda para cair

Junho 09, 2023

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Qualquer um pode cair, mas nem todos se levantam. Há quedas que matam ou invalidam. Se nos roubam a vida, nada mais há. Terminamos com a morte. Aqui, neste ponto final.

Se continuamos, é porque não morremos. Não desta vez. Ainda assim, se for mais que uma ilusão, será apenas uma questão de tempo. Mas poderá não ser melhor. Há quedas que amputam a autonomia. De tal forma amordaçam a liberdade do espírito que, este, se lhe sobra alguma consciência, lamenta cada letra deste paragrafo a que chegou.

Se ainda continuamos, é porque não estamos inconscientes e usufruímos de resquícios de vida. De alguma forma, encontramos motivos ou inventamos forças para quebrar a descontinuidade. Seguramente estamos fragilizados e, possivelmente, tornamo-nos em algo que não somos. Tudo é incerto, mas, por pequena que seja, a pitada de vida pode germinar e dar qualquer coisa. As expectativas, porém, não devem ser mais que nenhumas.

Querendo continuar, mesmo que sem certezas e a medo, é porque somos loucos ou masoquistas. Ou ambos. Talvez, a condição de mortal, imponha uma certa dose de loucura e capacidade de sofrimento, a quem estiver disposto a aceita-la. Podemos, claro, recusar a dádiva. Mas, se não a recusamos, aceitamo-la, mesmo que de forma tácita.

O divórcio amputou-me um órgão que batia no peito. No seu lugar, talvez por feitiçaria das leis de Darwin, nasceu algo como um punho fechado. Bate-me várias vezes por minuto, muitas vezes ao dia. Agride-me tantas vezes à noite. Ontem, por causa da nossa filha, falamos. Custa-me dizer, porque abana com a autoestima e o pouco orgulho tolo que ainda tinha. Custa-me dizer, mas a verdade crua é a única lanterna que preservo no seio das trevas. Custa-me dizer, mas o divórcio fez bem a quem amei e mal a quem nunca amei.

Cair é muito fácil. Levantarmo-nos, nem tanto. Cair é rápido. Levantarmo-nos, costuma ser um processo mais complexo e demorado. Qualquer um pode cair e pode não ter a oportunidade de se levantar. Mas, havendo oportunidade, por insignificante que seja, a forma como nos levantamos, poderá ser o que nos define, ou aquilo que queremos que nos defina.

O facto de ter sido trocado não ajuda, mas como me posso amar se apenas emano covardia e estupidez. Sempre tive medo de cair. Toda a vida, a tentar evitar quedas. Há quedas que não podem ser antecipadas. Outras até podem, mas não as evitamos, porque somos ingénuos ou deambulamos, distraídos, no abismo. Talvez um dia me consiga perdoar e, quem sabe, amar. Talvez, se conseguir trocar o medo de cair, pela coragem de procurar melhores maneiras de me levantar.

Astrologia para Totós

Junho 07, 2023

Astrologia.jpg

Não acredito em astrologia, mas.

Domingo, fim de tarde, voltávamos de uma romaria local. A Leonor, minha sobrinha de 12 anos, lançou o desafio para fazermos uma corrida, ao qual a minha filha prontamente aderiu. Na sequência, ambas formaram uma multidão eufórica que, em apoteose, clamava pela minha participação. E o que uma pessoa não faz pelas crianças? Só que, desta vez, iria ser competitivo e não faria reféns.

- Matilde, o pai vai ganhar. Como és a mais pequenina, só tens 8 anos, é possível que sejas a última. É só uma brincadeira, não fiques triste.

Ouve-se: 3, 2, 1, partida! Sabia que, para vencer, tinha de colocar todas as fichas na aceleração. Disparo como uma bala e, com os olhos postos na meta, dou tudo o que tenho. Nesse instante, nada nem ninguém me pode parar, até que, abruptamente, sinto a glória esfumar-se numa pequena nota mental: “já devia ter ido à médica pedir um Raio-X ao joelho direito”.

- Pai, Ganhei! Vi que caíste, mas primeiro quis cortar a meta e depois ver se estavas bem. Tantas feridas, coitadinho de ti, pai.

- Não te preocupes, é só pintura. O pai está bem. Apesar de ter ficado em último, fiquei contente por teres ganho.

Agora, a astrologia:

Duvido que a órbita de Saturno se tenha cruzado com a de Kepler-186f, mas notei que a Matilde hesitou entre parar ou continuar a correr. Como se os seus Gémeos astrológicos estivessem em negociação. Por fim, o seu Gémeo competitivo venceu. Por outro lado, depois de ter ido com os cornos ao chão, lembrei-me que sou Touro.

Tinta por uma Linha

Maio 18, 2023

Tinta_Por_Uma_Linha.png

Tenho, cada vez mais, dificuldades em escrever. Aprendo, progressiva e pacientemente, a arte do analfabetismo. Como dizia o meu avô, no seu jeito transmontano, vou de cavalo pra burro. Os poucos textos, que vou produzindo, são escassos em extensão e fracos em qualidade. De pouca relevância intelectual e de insignificante profundidade. Porque sei que são o reflexo de quem sou, deles, pouco gosto. E, por falar em quem sou, assalta-me sobretudo a desilusão. O vazio que preenche a distância entre o que não fui e o que não gosto de ser. Como se a alma tivesse desistido e abandonado o corpo que arrasto sem rumo.

Mas, ainda que escrevesse muito e escrevesse bem, jamais seria escritor. Sou profundamente inábil para desempenhar profissões. Assumo-me incompetente e péssimo profissional. Para esquecer as dores, aprendi também a enfraquecer a memória e, por conseguinte, tornei-me velho e arrasei a capacidade de aprender. Há demasiado tempo que, para minha tristeza, não evoluo. Deixei de olhar para cima e apenas foco os cordões dos sapatos para zelar que não me derrubam. Na melhor das hipóteses e recorrendo ao neologismo, diria que não sou mais que um parco escridor.

Boas notícias para a humanidade! Não vem mal nenhum ao mundo por eu escrever menos. Pelo contrário, é menos poluição. Procuro, apenas por uma espécie de curiosidade mórbida, perceber as razões. Racionalmente ocorrem-me alguns motivos que justificam o facto. Lembro-me dos catalisadores que, por norma, me levam a escrever e podem estar sujeitos a perturbações:

Primeiro tenho de marinar uns dias numa boa depressão. Este é fator eliminatório, porque não me vejo a escrever sem uma abastada e consistente dose de depressão. Ainda assim tem de haver um certo cuidado de afinação pois, apesar de forte, a depressão não pode exceder o aceitável, ao ponto de incapacitar a produção intelectual. É um equilíbrio extremamente desafiante e, não poucas vezes, reprovo.

Consolidada a fase da depressão, segue-se a busca pela bênção de Cronos. É preciso tempo, para que dentro do buraco negro em que me encontro, seja possível escutar e interpretar todos os sons e silêncios. Mergulhar na matéria negra e integrar a antimatéria. Abafar o ruído, libertar os gritos. Depois, com o léxico limitado do cérebro elanguescente, procurar as palavras que melhor traduzam essa ilógica dissonante. Agregar as frases e pontua-las, de modo a que respirem ou abafem, consoante a cegueira dos nós que se apertam na garganta. Ordenar o caos em parágrafos e dar princípio e meio a algo que apenas parece ter fim. Nestes dias, nestas noites, tempus fugit. Também, neste ponto, não tenho estado à altura.

Por fim, sentir que tenho algo que valha a pena ser dito. Algo, mesmo que valha pouco. Aqui aborreço-me. Depois de falhar as outras premissas, escrutino-me: corpo, coração, mente, espírito, alma, o que for... Uma e outra vez. Apenas uma depressão desafinada e uma perda de tempo. Dentro de mim, não encontro nada.

Vidagre

Maio 09, 2023

Vidagre.png

Numa garrafa de vinho,

esvazio goles de vida.

Embriago o caminho,

carrego-me à jazida.

 

Pelo corpo trespassam,

areias como areias que sou.

São sedes que não passam,

é uma morte que pousou.

 

Não há nada que se diga,

são dias que não engano.

É uma pesada fadiga,

que fundeia o arcano.

Eucaliptos

Abril 19, 2023

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Não sendo carpinteiro, suponho que é melhor que o Pinho seja bem tratado.

Independentemente de simpatizar - ou não - com Manuel Pinho, ou da opinião que tenho do caso, tenho de reconhecer que é vítima de um processo Kafkiano. Parece que estamos, no entanto, perante o culminar de uma investigação que dura há mais de uma década e - até prova em contrário - haverá julgamento. Não quero, também, beliscar o direito constitucional da presunção de inocência. Afinal de contas, estou longe de ser ou parecer a Autoridade Tributária. Posto isto, vi a entrevista que Manuel Pinho deu à RTP, e percebi porque nunca lhe achei qualidades para ocupar o cargo de Ministro da Economia. Um país, como Portugal, precisa de um Ministério da Economia com capacidade de liderança e, isso, Manuel Pinho não tem. Pinho diz que ordenou que, enquanto tivesse funções públicas, o GES não lhe pagasse 15 mil euros, todos os meses. Os “sacanas” não respeitaram a ordem. Não só minaram a sua liderança, como lhe faltaram ao respeito. É quase como aquelas empresas - tipo EDP - que aproveitam a facilidade do débito direto para nos retirarem dinheiro da conta bancária... mas ao contrário. Ou as despesas de manutenção de conta - o Novo Banco, para dar um exemplo - que, todos os meses, nos subtraem o saldo... mas ao contrário. Aqui a questão primordial não é se retiram ou acrescentam dinheiro, mas a petulância de mexerem na nossa conta sem autorização. Uma pessoa não repara e depois, sem percebermos como, vemo-nos em trabalhos.

Estou solidário.

 

 

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