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Quinta Dimensão

Despoema

Maio 16, 2025

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* (imagem criada com auxílio do ChatGPT, porque sou o pior desenhador/pintor do mundo e arredores)

 

Há noites em que atiro palavras para a fogueira

e, por mais que queimem, não quebram o gelo.

O que eram cores, são cinzas de alguma cegueira,

restos de arrepios que dedilham o cabelo.

 

Memórias que esfumam e crepitam na ausência,

vultos vazios de outras vazias dimensões.

Limbo sem barqueiro, purgatório de aparência,

um naufrago perdido entre ventos e prisões.

 

A pele alva, nua e lânguida de uma folha

e o batom preto das sombras que a seduzem.

Olhos que estilhaçam, uma lágrima que molha,

fantasmas que se materializam e abduzem.

 

Desejo-a! Agora que findaram as letras.

Agora que, ébrios, bebemos um toque macio.

Beijo línguas estranhas, em insonoros mantras

e desfolho a poesia, que se acanha no silêncio.

miF

Março 21, 2025

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Ontem, 22 horas e uns salpicos de chuva no para-brisas. Por entre o breu da noite, a couraça cinzenta e fustigada da carrinha, vai abrindo caminho até casa. Embora as mãos repousem sobre o volante, não precisa que a guiem, pois conhece bem o trajeto. É uma vida de repetições e alguns momentos de ilusão. Não resta grande margem para enganos.

Os olhos fixos num horizonte, algures entre a realidade e pensamentos dispersos, absorvem, com apática indiferença, os fracos pontos de luz que se vão desenhando. Noto, por entre as sombras, o frio dos fantasmas a vaguear. Estados de alma que descansam na permeabilidade dos ossos, que se esforçam por sustentar o peso do sono. Por fim, o processo espiritual desagua nas memórias, na saudade e nostalgia de outros tempos e escorre até à inevitável desilusão.

Nunca fui uma pessoa com propensão para a sociabilização e sinto até uma espécie de fobia, ou pelo menos um certo mal-estar, quando tenho que estar em situações sociais. Com mais ou menos dificuldades, vou conseguindo disfarçar – às vezes mal - essa inaptidão, mas é certo, também, que evito a todo o custo esse tipo de situações. Situações sociais começam, para mim, no momento em que estou com alguém e, desde o divórcio, divorciei-me de reparar o eu que ficou destruído. Porque não sei se o consigo fazer e, tão-pouco, se o quero fazer. Porque dei tudo de mim e fiquei vazio, apenas inflado de tristezas. Porque me sinto acabado, inutilizado, ou mesmo inútil, e nem a mim me consigo vender. Porque, por princípio, não gosto de enganar ninguém.

Desde a separação, mudei muito. Muito mais do que poderia supor ou imaginar. Mudei na forma de pensar e sentir as coisas. Fruto da minha educação, era um homem de fé, crente num Deus omnipresente e omnisciente, na existência de um Amor universal, capaz de transcender o infinito e até no livre arbítrio e na capacidade de fazermos escolhas dentro de um plano maior que pudesse dar sentido à existência. Cheguei a acreditar que o Universo poderia conspirar a nosso favor e noutras narrativas com que Paulo Coelho enriqueceu o seu “Alquimista” ou o “Manual do Guerreiro da Luz”. Cheguei a comover-me com a história de Hermann Hesse, sobre o brâmane “Siddhartha”. Inspirei-me nos heróis dos manuscritos da Bíblia e na palavra de Deus, escrita pelos homens. Acreditei em mensageiros divinos e nas construções de uns poucos filósofos. Confiei no amor que, ingenuamente, acreditei que seria para sempre. Procurava até encontrar-me, seja lá o que isso for, mas – para o bem e para o mal – foi objetivo que nunca consegui alcançar. Hoje evito, a todo o custo, encontrar esse gajo. Não que, ao dia de hoje, seja uma melhor pessoa, apenas um asqueroso diferente.

Não sei se Deus existe, ou se existiu. Se, no alto de um penhasco divino, há alguém preocupado com a nossa pequenez e micro-estupidez. Não sei se a morte nos evolui para seres de luz e muito menos qual a cor dessa luz, ou se regredimos para renascermos em insetos pouco apetecíveis. Não sei nada. Dentro de todas as incertezas, o menos incerto, é que talvez nunca saberei. Deus, seja qual for a forma com que o pintemos, é um porto seguro, para nos refugiarmos dos medos e encontrarmos algum conforto. Serve para enfrentarmos a nossa finitude e insignificância perante a escala de grandeza que nos rodeia. Já o Amor, como conceito universal e perene, parece ser algo criado para nos inspirar e poder conduzir à superação. Algo que, em última análise, por entre quaisquer que sejam as dificuldades ou ódios, conduzirá ao triunfo do “bem” sobre o “mal”. O Amor como um catalisador da vida que irá potenciar a resolução de discórdias, a união de casais, de famílias ou, mesmo, da humanidade. O Amor como ferramenta para vencer a dor, a solidão e a morte. Parece-me tão lógico que a humanidade, pelo sentimento de abandono, de medo do desconhecido e da guilhotina do tempo, tenha criado histórias para tentar dar algum sentido a toda estra desagregação e frio. Parece tudo muito mau e sombrio, mas é muito possível que esta minha visão esteja errada, da mesma forma que eu nunca estive certo. É, no entanto, aquilo que sinto como menos mentiroso dentro no meu interior e não gosto de enganar ninguém, a começar por mim.

Vejo-me como uma pequena peça, de um puzzle gigante, que não consegue encaixar. Sinto, dentro de mim, uma grande dor, que não consigo apagar. Questiono-me como alguém, que tinha demasiadas certezas, conseguiu acabar com tantas dúvidas. Penso que o que não nos mata, não nos torna mais fortes, apenas diferentes. Sinto que tinha ilusões e princípios a mais e que, talvez por isso, após o divórcio, fui eu que fiquei na lama… e ainda falo disso. Hoje tenho menos ilusões, muito menos certezas e ainda menos princípios.

Para acabar esta lamechice que já me enjoa, talvez sobre um princípio. Algo menos desonesto, como: não fazer aos outros o que não quero que me façam a mim e, se possível, fazer o que gostava que fizessem por mim. Mas duvidar, sempre duvidar! Porque os princípios podem, muito bem, ser o nosso fim.

Fatos e Factos

Março 02, 2025

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Retirando da equação óbvias situações clínicas, a maioria das pessoas consegue formular opiniões. As opiniões que formamos são, em grande parte, moldadas pela informação (e desinformação) que recolhemos, pela forma como a processamos e como as interações sociais, nas suas mais variadas formas, vão acentuar ou alinhar distorções. Há opiniões que formamos com algum desprendimento, que requerem parco investimento de tempo, pensamento e ponderação e que conseguimos mudar com relativa facilidade. Há, no outro extremo, opiniões em que, tão-somente, não conseguimos conceber a hipótese de mudar e até as categorizamos como convicções. Análises formadas sobre a recolha de muitos dados, de várias fontes reputadas, em que esses mesmos dados e fontes são filtrados e contrapostos, discutidos por mais que um indivíduo com mente aberta e independência, posteriormente amadurecidos e interpretados, tendem a produzir opiniões consistentes e menos propensas à súbita mudança. Mas existe um “perigo” escondido pois, da mesma forma, podemos ter opiniões bastante rígidas porque, simplesmente, por falta de oportunidade, medo, conformismo ou até preguiça intelectual, não as expomos ao contraditório e, facilmente, acabamos com convicções tantas vezes desalinhadas com a factualidade. É por isso que, pessoalmente, tenho como primeira convicção, a dúvida. Como segunda convicção, a certeza… que provavelmente estou errado.

 

Se formular opiniões está ao alcance de quase todos, exprimi-las está restrito a um número de pessoas substancialmente menor. Nesta pequena esfera imperfeita, que serve de abrigo à humanidade, nem todos os regimes permitem a chamada “Liberdade de Expressão”. De onde estou a escrever ainda usufruímos de alguma liberdade, que permite, inclusive, que muitas pessoas exprimam opiniões que defendem regimes autoritários. Aqui, se escrever algo que alguém considere ofensivo ou impróprio, corro o risco de ser “cancelado”, mas há regimes em que pessoas que se aventuram a exprimir opiniões disruptivas em relação aos cânones permitidos, são punidas com a própria vida. Apesar de a Europa estar repleta de problemas e imperfeições, alberga valores que, pelo menos, merecem que alguém os defenda e lute por eles. O que aqui escrevo é apenas e só a minha opinião. Não vale muito, tem pouco peso e é só mais uma. Não escrevo porque achei que devia falar, mas antes, porque achei que não me devia calar.

 

Antes de discorrer sobre o que, a 28 de fevereiro de 2025, se passou na Sala Oval da Casa Branca, entre o presidente da Ucrânia e o presidente e vice-presidente dos Estados Unidos da América, devo dizer que não sei se existe algo como uma verdade, mas temo que possam existir muitas mentiras. Seguramente não sou dono de nenhuma verdade e a minha opinião é formada com base em artigos que li e vídeos que vi. Posso estar completamente equivocado, mas esta é a análise que, até hoje, me oferece menos dúvidas.

 

Sem me querer alongar muito sobre o assunto, existe um prólogo que não convém ignorar. J.D. Vance esteve na Europa e trouxe, consigo, “reflexões” que, gentilmente, partilhou sobre falta de liberdade de expressão no continente Europeu. Entretanto, Donald Trump ameaçou os tradicionais aliados com tarifas económicas e a posição dos EUA na NATO, encetou negociações de paz, com a exclusão da Ucrânia e da Europa, elogiou, continuamente, Vladimir Putin, enquanto apelidou Zelenskyy de ditador e, por fim, afirmou que a Ucrânia foi responsável pelo início da guerra. Não pretendo questionar a política económica e a legitimidade da estratégia de alianças do EUA, mas sobre o facto de a Ucrânia ter sido responsável pela abertura das hostilidades e de Vladimir Putin ser mais democrático que Volodymyr Zelenskyy, remete-me para “1984” de “George Orwell”:

 

«E, se toda a gente aceitava a mentira que o partido impunha – uma vez que todos os registos a repetiam -, então a mentira passava à história e tornava-se verdade. “Quem controla o passado”, dizia o lema do Partido, “controla o futuro: quem controla o presente controla o passado”. E, no entanto, o passado, embora modificável por natureza, nunca fora modificado. O que era verdade hoje era verdade desde sempre e para sempre. E era bastante simples: bastava uma sucessão de vitórias sobre a nossa própria memória. “Controlo da realidade”, era como eles lhe chamavam, ou, em novilíngua, “duplipensar”.»

 

Naquela sala, vi um homem, que representa um país encurralado. De um lado está a ser atacado e invadido por uma potência que extermina os seus cidadãos. Tortura os homens, viola as mulheres e rapta as crianças para as "reeducar". Do outro lado tem, agora, dois Golias, com os rostos carregados de maquilhagem, que representam uma outra potência que, no espaço de pouco mais de um mês, passou de aliado para simpatizante do inimigo. Em cima da mesa está, na forma de extorsão, a escolha entre abdicar de parte significativa do seu futuro, com a assinatura de um acordo leonino, ou ser abandonado para morrer aos pés do inimigo. Se assinar o acordo, não há garantias. De resto foi montado um cenário e criado um guião para que o público pudesse usufruir de um bom espetáculo televisivo. Degradante, mas um bom espetáculo televisivo. O paradoxo é que se falou-se muito de paz, mas o cenário foi de guerra. Se a operação especial de Vladimir Putin não foi concluída em três dias e a paz de Donald Trump não chegou em 24 horas, a culpa só pode ser, por certo, do ingrato Volodymyr Zelenskyy que não aceita a paz que, com tanta benevolência, lhe foi oferecida.

 

Apenas conheço os intervenientes pelo que leio e vejo nas notícias e Volodymyr Zelenskyy terá, por certo, muitos defeitos que lhe poderão ser apontados. Da mesma forma, Donald Trump e James David Vance também terão as suas virtudes, mas servindo-me da minha falível perceção, pareceu-me, claramente, que Volodymyr Zelenskyy estava bastante mais alinhado com o imperativo categórico de Immanuel Kant e os restantes com a filosofia de Al-Capone. O dinheiro e o poder também não parecem ter uma relação direta com a educação e o tato ou sensibilidade diplomática. Já depois de dizer que Zelenskyy deveria estar calado, porque já tinha falado demais (J.D. Vance, desta vez, não se preocupou com a liberdade de expressão), Donald Trump menciona: “Demos-lhe, através do presidente estúpido, 350 mil milhões de dólares”. Pelo que li, os números não parecem corresponder aos factos e, independentemente de o "estúpido" ser dirigido a Zelenskyy ou Joe Biden, é de um nível muito baixo.

 

É claro que Zelenskyy e o povo ucraniano querem garantias. Vamos supor o cenário surreal, em que um criminoso invade a nossa casa com o objetivo de a desnazificar, mata uns amigos ou familiares e passa a viver num dos quartos. Porque não o conseguíamos expulsar e não temos para onde fugir, fazemos um acordo para que a invasão cesse por ali. Uns tempos mais tarde, depois de muita apreensão, medo e ameaças, ele toma conta da sala e mata mais uns amigos ou familiares. Como podemos fazer um novo acordo de paz, sem que uma autoridade dissuasora construa uma barreira que garanta que ele não volta a matar e ocupar o que falta da casa?

 

É muito fácil ser forte e bater nos fracos. Donald Trump parece tecer uma especial admiração por poder, dinheiro e ditadores. Admito que muitas pessoas tenham opinião diferente, mas esta é minha. Vi um homem e chefe de estado ser enxovalhado e humilhado por dois homens que cresciam, em confiança e arrogância, na medida e proporção em que batiam na sua vítima e abriam receios no povo que ali estava representado. Nesse sentido, não me ocorre nada mais oportuno que a afirmação de John Stuart Mill: “É melhor ser um humano insatisfeito do que um porco satisfeito”. Acredito que, se estivesse vivo e lhe pudesse perguntar, o mesmo concordaria com a extensão para dois porcos.

 

Claro que, para um grande número de pessoas, Donald Trump é uma espécie de deus e J.D. Vance, talvez, um semi-deus e tudo o que fazem é cegamente aceite e será sempre, sem mácula de dúvida, o mais correto. Esse fenómeno poderá ser explicado por exemplo, mas não só, pela teoria da estupidez elaborada por Dietrich Bonhoeffer. Infelizmente, essa mesma teoria, defende que a estupidez é mais perigosa que a maldade e é possível que ninguém esteja imune. Tenho a esperança de que, por esta altura, não esteja a ser estúpido, mas sei que é difícil ter noção da própria estupidez.

 

Vladimir Putin é um líder que foi sufragado através de eleições e há quem consiga dizer que na Rússia existe um regime democrático. Na mesma medida, muitas pessoas não podem discordar: porque têm receio, ou porque foram atingidas por uma epidemia de morte súbita que costuma afetar, sobretudo, os opositores do regime. Ao lado, a Europa parece ter cometido, ao longo dos últimos anos, uma série de erros de avaliação estratégica e as suas democracias enfrentam um presente e futuro com desafios muito relevantes. Perigos, como imigração descontrolada, extremismos, ameaças diretas e indiretas de interferência nos processos democráticos, perpetrados por potências estrangeiras, ameaças económicas, culturais e sociais, alterações climáticas e, claro, o belicismo ditadores com visões imperialistas. O modo de vida europeu encontra-se seriamente ameaçado e o futuro esconde-se atrás de uma cortina de névoa. Mais do que nunca é preciso lutar pelos valores que nos definem, de modo a que as próximas gerações possam respirar livremente.

 

O conhecido “Relógio do Juízo Final” está pertíssimo da meia-noite. Acredito que é porque, essencialmente, para construir algo é necessário o esforço de muitos e, infelizmente, para destruir basta a estupidez de um.

 

A dada altura, um "pseudo-jornalista" interpela Zelenskyy e questiona: “Porque não usa um fato?”.

 

A resposta não foi má, mas poderia ter sido:

 

- Não é o fato, estúpido! O que importa são os factos.

NostraDados e as profecias de um mundo senil

Fevereiro 20, 2025

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Há uns tempos, troquei a pilha do odómetro da minha bicicleta.

A pilha é a muito comum CR2032, que habitualmente equipa relógios, calculadoras e computadores.

***

Quando era mais novo, li um livro singular, escrito pelo já falecido jornalista Michael Drosnin. "O Código da Bíblia" editado, em Portugal, pela Gradiva. De uma forma muito simplista e resumida, o autor – em pareceria com o matemático israelita Eliyahu Rips – defendiam que, nos textos bíblicos originais, existem mensagens ocultas. Recorrendo à computação, as letras são dispostas numa espécie de matriz e são procurados padrões de palavras, que podem ser articuladas em frases de cariz profético. Passo a transcrever a sinopse do livro:

“No dia 1 de setembro de 1994 voei para Israel e encontrei-me em Jerusalém com um amigo íntimo do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, o poeta Chaim Guri. Dei-lhe uma carta que imediatamente entregou ao primeiro-ministro. «Um matemático israelita descobriu na Bíblia um código oculto que parece revelar os pormenores de acontecimentos que ocorreram milhares de anos depois de a Bíblia ter sido escrita», dizia na minha carta a Rabin. «A razão por que lhe falo disso é que a única vez que o seu nome completo - Yitzhak Rabin - aparece codificado na Bíblia as palavras ‘assassínio que assassinará’ cruzam o seu nome.» Em 4 de Novembro de 1995 veio a terrível confirmação: um tiro pelas costas dado por um homem que acreditava estar a desempenhar uma missão divina.  A morte de Rabin foi a dramática confirmação da verdade do código da Bíblia, o texto oculto no Antigo Testamento que revela o futuro.”

***

Recentemente vi, nas notícias, um alerta sobre um asteroide que apresenta uma pequena probabilidade de colidir com a Terra. Não querendo parecer um arauto da desgraça, creio que podemos concordar que Hollywood e o Bruce Willis não atravessam propriamente a melhor forma para poderem ensaiar alguma missão de salvação. Os próprios Estados Unidos da América, por esta hora, apenas devem querer saber se há a possibilidade de desviar a rota do Asteroide para cair no México ou, talvez, na Dinamarca. A humanidade no seu esplendor.

Seja por dedução ou indução, é fácil perceber o meu ceticismo no Homem e no humanismo.  Pessoalmente, entendo que palavras como "Amor" e "Ódio" não são conceitos que emanam de um Universo infinito, mas apenas existem porque há alguém que as pronuncia e alguém que as ouve. Quando chegar a noite em que o último ser humano desaparece, o que será dessas palavras e de todas as outras?

Mas, apesar da reflexão poder ser pertinente, nada disso é relevante. O que realmente importa é a icónica pilha CR2032. Os 20mm de diâmetro e 3,2mm de espessura, combinam-se para formar o ano previsto da chegada do Asteroide. E, como se não bastasse, antes de 2032, temos o prefixo "CR", que é um possível acrónimo para "Calhau" e "Rocha". Para bom entendedor, 3 Volts bastam.

Escrevo, mas pouco tenho a ver com isso

Outubro 20, 2024

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Escrever implica, para mim, um compromisso. Preciso de tempo, solidão e muita introspeção. Sempre me foi mais fácil conseguir a solidão e menos os outros. E, se o quotidiano devora o tempo, a introspeção dilui-se no cansaço, crónico e progressivamente mais incapacitante.

 

Fugazmente, a espaços cada vez mais distantes, arranho a tríade e consigo quebrar as amarras do estilo de vida que mata. Mergulho no etéreo mundo das ideias. É nesse universo, onde a gravidade perde peso, que me despojo de tudo e me rendo. Abraço a resignação de um pescador, que lança o anzol a um mar de incertezas, e flutuo. Às vezes, nesse limbo, uma espécie de energia seduz o corpo de um poema, ou dá luz a um pensamento. Acontece algo que talvez para muitos não seja nada, mas - pela minha pequenez - soa-me grandioso.

 

Nunca quis ser proprietário de algo, que se encontra para além da minha compreensão ou entendimento. Não senti, sequer, a vertigem. Não me passa a ideia de tentar aprisionar esse bater de asas indomável, esse esvoaçar de mistérios tão primitivos como insondáveis. Sinto-me privilegiado e nunca merecedor.

 

Para mim, o desafio maior é conseguir traduzir a subtileza das emoções. É uma impossibilidade, como descrever sentimentos e processos que ocorrem na alma, quando os mistérios de uma música nos embriagam e possuem a carne. Porque sou um mero amador, de escassos recursos técnicos e a anos-escuridão de poder - ou querer - ser escritor, debato-me, incontornavelmente, com essa frustração. Como partículas em ebulição, tantas vezes as letras confundem-se e confundem-me.

 

Identifico, ainda assim, alguns textos que escrevi no passado. Pelos erros, a pobreza na linguagem, as discordâncias gramaticais e as incoerências na pontuação. A incompetência sempre foi a minha assinatura. Sinto até, muitas vezes, que estrago e desvirtuo, o que a "energia" queria transmitir. Espero, nesses momentos, que outros, mais capazes, consigam passar a "mensagem".

 

Finalmente, porque estou a falar de energia, como algo transcendental ou quase espiritual, e sendo eu uma pessoa descrente, poder-se-á pensar que estamos perante um paradoxo. Um paradoxo que, contudo, termina no instante em que começa: eu acreditar que sou uma pessoa descrente. Por outro lado, para evitar alguma possível incongruência de raciocínio, posso - de forma mais ou menos covarde e à velocidade da luz – esconder-me na equação "E=mc2". Tudo o que é misterioso, ou habita os horizontes do desconhecido, poderá ser explicado e relativizado por fórmulas matemáticas e regras da física. Talvez. Pessoalmente, não sei.

 

Apenas sinto que escrevo, mas pouco tenho a ver com isso.

Contacto

Setembro 05, 2024

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A Geometria diz que, por um único ponto, passam infinitas retas.

Um Universo de possibilidades para este breve ponto azul.

Também é dito que, por dois pontos, passa uma única reta.

Haverá, nas profundezas do espaço, um outro ponto com vida?

Se houver, ainda que invisível, a estrada está desenhada.

Um Sonho nos Sonhos de Einstein

Agosto 27, 2024

  

 

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23 DE AGOSTO DE 2024

Sobre o alto das montanhas, a lua derrama um manto de âmbar que, gota a gota, pinga densamente sobre o vale. A luz fraca, que emana dos lampiões, dissolve o luar e esfiapa-se na neblina condensada pela madrugada. Quebrando a matéria negra, ou serpenteando as espaçadas partículas luminosas, odores doces – nascidos ainda na primavera – findam-se como espuma das ondas. Tudo num profundo silêncio, apenas quebrado, aqui ou ali, pelo breve latido de um cão longínquo.

No passeio, junto à estrada, um homem de meia-idade faz as últimas verificações à bicicleta e à mochila que, a custo, ergue até à curvatura das costas. Prepara-se para enfrentar a solidão e os desafios de mais uma viagem. A sua mente, que durante o ano nada mais é que o retrato desta noite, anseia as primeiras pedaladas. Precisa, pois, de vencer a inércia e dá início ao movimento. Com os primeiros metros, a trémula lanterna acoplada ao capacete, alumia a ambição de um destino, mas não é isso que verdadeiramente lhe importa. O que precisa é, tão-só, de um norte e estrada infinita para percorrer, até se cansar e não poder mais.

Neste mundo, quanto mais quilómetros o homem pedalar, menos tempo passará e mais tarde chagará a velhice. Pois, com a velhice, chegam as dores e a sonolência dos reflexos, os esquecimentos e as falhas de memória, o esquecer-se e o ser esquecido. Com a velhice, os sonhos – aqueles que ainda não se foram embora – esmorecem e degrada-se a esperança que os alimenta. Morrem os nutrientes da vontade de viver.

Nas suas infinitas dúvidas, o homem acredita que esta é apenas uma dimensão do Espaço-tempo e que há mais dimensões que estrelas visíveis no céu. Mundos com espaços e tempos próprios ou – quem sabe – impróprios. Diferentes configurações, com as suas regras e exceções, leis e transgressões. Cogita, nas suas inseguranças e ignorâncias, que todos estes mundos estarão em rota de colisão, rumo a uma singularidade. Um devorador, que dá pelo nome de Esquecimento.

Restos Imortais

Junho 28, 2024

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Alguém, um dia, sonhou com a possibilidade de desenhar sons

e nasceram os hieróglifos, as letras e as palavras.

Alguém imaginou que, agrupados numa orquestra,

os sons podiam esquissar melodias e as palavras sedimentar frases.

 

Surgiu, também, a necessidade de contar, somar e subtrair

e, dessa necessidade, conta-se uma história, que até nem começa do zero.

Contudo o zero fazia falta e soubemos integra-lo.

 

Hoje, neste quadro semiabstrato, temos música, literatura e matemática.

Temos os livros e conhecimento básico para procurar e questionar.

O que não sabemos é tão, ou mais infinito, quanto o universo que nos acolhe.

 

Como indivíduo, ou como espécie, temos sempre algo a aprender.

Nem que seja escutar ou amar melhor.

Creio, portanto, que nesta condição de mortais, aprender é tudo o que nos resta.

Vírgula

Janeiro 29, 2024

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Estamos no fim de janeiro e a “Quinta Dimensão” exibe, há mais de um mês, a complexa mensagem de “Boas Festas”.

Pode dizer-se que o seu autor é preguiçoso. Sim pode dizer-se. Mas, por outro lado, pode ser a tentativa do mesmo em esticar a magia da enigmática mensagem até às fronteiras da Páscoa. Nessa altura, depois de uma travessia na aridez do deserto, o blog ressuscitaria e, envergando uma renovada e iluminada roupagem, derramaria, sobre o mundo, um manto de conhecimento e consciência que elevaria a humanidade ao Tipo III na escala de Kardashev.

Descendo à terra…

É apenas falta de ideias, de inspiração e bagagem intelectual. Sinto-me um velho carro a tossir um ou dois pulmões, através do Parkinson de um carburador ressequido e pré-histórico.

Noto a mente cansada e, cada vez mais, o processador de texto sublinha mais palavras com um ziguezagueado vermelho. Nem sempre tem razão, mas não poucas vezes tenho que lá ir emendar o erro ortográfico. Ainda, outras vezes, o computador já não tem paciência e coloca, sem aviso prévio, o acento na palavra que seguia em pé. Depois há as vírgulas, que me parecem peças de Lego estragadas que não encaixam bem em parte nenhuma. Sinto, também, um cansaço na alma, se é que tenho uma, seja lá o que isso for.

A minha filha tem andado a escrever pequenas histórias e é engraçado sermos puxados para os mundos imaginários das crianças. Na sequência, lembrei-me de um conto que escrevi em 2007 e de como era ingénuo.

Acho que nunca mais vou conseguir escrever um texto decente ou com mais de uma página. Muito menos algo parecido com aquela treta:

 

«

 

O Encantador de Serpentes

 

Esta história nunca aconteceu. Passou-se em terras do oriente mas poderia passar-se em outro qualquer lugar. Passou-se há centenas de anos atrás mas poderia, perfeitamente, acontecer hoje. Narra a ventura de um homem especial mas poderia, também, ser a história de um qualquer homem comum.

 

Era uma vez um homem humilde que habitava um modesto casebre com a sua esposa. Viviam sós e não tinham filhos, porque a mulher era estéril, mas o amor que os unia era fecundo. Um era o tesouro do outro e, nessa perspectiva, como poderiam ser pobres? As dificuldades eram grandes mas, para quem ama, nunca são maiores que o coração. Apesar dos escassos recursos materiais pode dizer-se que viviam felizes.

 

O que tornava este homem especial era a forma como ganhava o pão do dia-a-dia. Quando jovem, vagueou com seu pai por terras longínquas, numa jornada em busca do auto-conhecimento e das riquezas interiores. Passou por países como a Índia, o Nepal e a China, chegando mesmo a alcançar a longínqua fronteira da Mongólia. Foram anos difíceis mas, por aquilo que aprendeu, só poderia ter consigo um sentimento de gratidão. Durante essa extensa viagem, estiveram acampados durante largos meses, numa remota localidade Indiana, onde conheceram um velho brâmane errante que sabia dominar as serpentes. Para dominar uma serpente – dizia ele – é preciso entender que o homem e a serpente fazem parte de um todo: o Absoluto. Assim, com meditação, o homem e a serpente deixam de ser dois seres para se tornarem um. Dominar a serpente era, dessa forma, tão fácil como dominar um dedo ou um braço. Para além do encantamento, o brâmane era entendido na arte de lidar com as mordeduras e os respectivos venenos. Adquirira uma estranha imunidade e afirmava que o veneno é apenas uma parte da vida, da mesma forma que também a morte é uma parte da vida. Há vida no veneno, só é preciso saber procurar. O velho habitava esta terra material mas comungava com outros mundos invisíveis que compõem o Absoluto. Era, apesar de humilde, muito instruído e um excelente professor. Não demorou muito, por isso, até que passasse para o homem a sabedoria e os conhecimentos que permitiam encantar serpentes e enganar a morte na forma dos seus mais variados venenos. Assim, o ganha-pão do homem, agora mais velho, consistia em sentar-se na praça central e exibir o seu talento aos mais curiosos a troca de algumas moedas. Enfeitiçava serpentes e fazia-as dançar, numa maneira de ganhar a vida como outra qualquer. De quando em vez, porém, quando o dinheiro para comer escasseava e o público se mostrava mais generoso, deixava-se ser mordido por elas, e foi ganhando fama como o homem que conseguia enganar a morte.

 

Um dia, a história do homem que resistia aos venenos, chegou aos ouvidos do Vizir. Como este se encontrava em vias de organizar uma festa no palácio real, decidiu convoca-lo para servir de principal atracção. Havia, no seu palácio, um grande jardim zoológico onde habitavam alguns dos mais exóticos animais dos quatro cantos do mundo. Pediu, portanto, que fosse escolhido e preparado o espécime mais venenoso, de modo a que a sua toxicidade fosse experimentada no homem. A história soava-lhe a boato mas seria, com certeza, um número circense diferente do habitual e iria muito certamente agradar aos seus ilustres convidados estrangeiros. O humilde homem não podia negar um pedido tão honroso do Vizir e prontificou-se a servi-lo de acordo com a sua inquestionável vontade.

 

*** Passaram poucos dias, até que esse dia chegou por fim. ***

 

A festa estava animada mas havia uma certa ansiedade dos presentes para assistirem à grande prova do veneno. Gradualmente foi-se formando a respeito um enorme burburinho entre a multidão. Uns diziam que era impossível resistir aos venenos, enquanto outros asseguravam que não, que era possível em alguns casos. Outros, ainda, diziam que até podia ser possível resistir a alguns venenos mas não ao veneno do espécime peçonhento que aguardava. Então, quando o burburinho se transformara em gritaria, uma voz seca de trovão anunciou a chegada do Vizir que, por sua vez, disse de imediato:

- Hoje vai saber-se, se o homem que se encontra de pé à minha frente, é um homem de bem, abençoado pela sabedoria dos Brâmanes, ou se, pelo contrário, é um impostor que quer enganar o povo para proveito próprio. Este homem vai ser testado de forma que não restem dúvidas sobre o que apregoa. Se for realmente imune ao veneno farei dele um sábio da minha corte e ouvirei os seus ensinamentos. Porém, se nos estiver a enganar e não sobreviver, a sua bela esposa, que se encontra a seu lado, será executada para que este dia sirva como exemplo a todos os desonestos. Que comece a prova!

 

- A Mamba negra é a serpente mais venenosa do continente Africano. Caso não seja tratada de forma célere, a vítima da sua mordedura fica paralisada e muito dificilmente escapa a uma morte agonizante. Se este homem se mostrar imune ao veneno é, sem qualquer margem de dúvida, um homem santo. – Assim disse, com uma voz grave, o experiente tratador dos animais, responsável pela escolha de tão exótico espécime.

 

Foi pedido ao homem que estende-se o braço direito e afastasse o manto que lhe ocultava a pele. A serpente, agressiva por natureza, foi aproximada e desferiu duas rápidas mordeduras, injectando grande quantidade de veneno. Nunca o homem esteve sujeito a tal veneno e em tão grandes quantidades. De repente os seus joelhos dobraram-se tendo, de imediato, prostrado o olhar no chão. A esposa abraçou-o e assim ficaram, agachados, enquanto todos no salão tentavam espreitar mais alto para saciarem a curiosidade mórbida inerente ao ser humano.

 

Faz parte de um todo: a serpente e o homem, o veneno e o sangue. A morte e a vida. O Universo diz-nos que para tudo é preciso um oposto, afim de haver um equilíbrio. Como pode o homem dar real valor à vida se não tiver consciência da sua morte. O que ao homem comum parece caos, ao sábio parece lógico. Porque, continuamente e de forma renovada, os equilíbrios desequilibram-se e os desequilíbrios equilibram-se, numa contribuição para o equilíbrio maior. O sábio não olha os acontecimentos como elementos isolados mas, antes, como parte integrante de um grande processo. Mantém a equanimidade porque, para além do relativo, estuda as propriedades do Absoluto. É um geómetra que sabe ler, interpretar e compreender os sinais do Universo pois eles são, por si só, uma linguagem própria. O verdadeiro sábio é humilde e com humildade se levanta e diz ao Vizir:

- Perdoe, Vossa Majestade, a minha ausência momentânea. Precisei de meditar porque, com tanta agitação, desuni-me momentaneamente do Absoluto. Mas agora estou bem e às ordens de Vossa Eminência.

 

O Vizir, convencido e convertido, decretou que, doravante, o homem deixaria de ser pobre. Por mérito próprio conquistara um lugar de sábio na sua corte. Iniciaria as suas novas funções logo no dia seguinte. E a festa continuou, noite dentro, com grande animação até de madrugada.

 

***

 

No dia seguinte o homem não apareceu. Estranhando a ausência, do agora sábio, o Vizir enviou dois mensageiros ao casebre para se inteirarem do porquê da respectiva demora. Apesar de ser experiente e vivido, não conseguia disfarçar algum nervosismo, enquanto vários pensamentos o desassossegavam. Algumas horas depois chegaram os servos, regressando cabisbaixos.

- Então, o que se passa? – Perguntou, inquieto.

- Vossa Majestade: as novas que trazemos estão, infelizmente, carregadas de trevas… O homem e a respectiva esposa morreram envenenados. A esposa encontrava-se deitada sobre o leito, enquanto o homem jazia suspenso numa forca improvisada.

- Não estás a ser coerente! – Afirmou o Vizir com surpresa e ferocidade – Como podes afirmar que o homem morreu envenenado e, logo a seguir, dizeres que estava suspenso numa forca? E como poderia o homem morrer envenenado se, ainda ontem, se mostrou capaz de resistir a um dos venenos mais fortes conhecidos pela humanidade?!

- Bem, Vossa Majestade, o pobre homem deixou uma carta…

 

A carta tinha inscrita a seguinte mensagem que o servo passou a ler em voz alta:

 

Parece, Vossa Majestade, que não vai ser possível apresentar-me no palácio para ter a honra de lhe transmitir os ensinamentos que, um dia, outros sábios me passaram a mim. Porém, quando terminar de ler esta mensagem, espero que possa apreender o maior ensinamento de todos. O ensinamento que supera todos os outros.

Ontem, após terminada a festa em que muito me honrou participar, eu e a minha esposa pusemo-nos a caminho de casa. A meio da caminhada uma serpente, esgueirando-se de surpresa e de forma rápida por entre a seara, mordeu-lhe com gravidade um calcanhar. O resultado foi uma morte em agonia nos meus braços, não podendo eu fazer nada para o evitar. De todos os venenos do mundo, este era o único para o qual não estava preparado, pois não fora directamente dirigido a mim. Fui para casa, carregando-a nos braços e, quando lá cheguei, deitei-a sobre a cama. Olhei para ela ali, inanimada, enquanto dormia um sono perpétuo, e tamanha angústia fez com que deixasse de me sentir parte de um todo. Senti-me, tão-somente, parte de nada. Bem ou mal decidi, nesse momento, que queria seguir os passos do amor da minha vida e partir pelo mesmo caminho que ela havia tomado. Decidi que tinha de a procurar e, portanto, lançar-me à maior expedição da vida… Se a vou encontrar? Quem sabe?... Mas a pergunta a fazer não será tanto essa. Essa é uma pergunta que unicamente a mim diz respeito. A pergunta relevante será, Vossa Majestade: qual o maior ensinamento que lhe posso deixar? …

 

Aqui, o servo deteve-se e, comovido, preferiu entregar o escrito ao Vizir. Este segurou a carta e leu o ensinamento em silêncio, enquanto uma lágrima lhe percorria os contornos do rosto.

 

Era um homem que se unia às serpentes para não morrer, mas era o facto de estar unido ao amor da sua vida que o fazia viver. Era um homem sem nome porque, talvez no fundo, fosse um homem comum. Era um homem que habitou um passado longínquo mas, ainda hoje, o seu derradeiro ensinamento parece verdadeiro. Era, também, um homem de terras distantes mas com uma história que toca de perto os nossos corações. Era um homem que, de facto, morreu envenenado. O que estava escrito, no final da carta, foi transcrito para o final deste conto:

 

O maior veneno para o homem é a falta de amor”.

 

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Fragmentos

Dezembro 15, 2023

Solsticio.png

Assombra-me um velho outono,
umbrífero, de galhos áridos.
Agasalha-se de névoa e sono
e despe-se de significados.

Arrefeceu, faz muito tempo
e o interior tinge-se lúgubre.
Sibilam fantasmas sem corpo,
num corpo de mente insalubre.

Há um vácuo que me gravita,
veneno que entope olhos fracos.
Do breu das cinzas, algo crepita...
Vejo, só, fragmentos cardíacos.

Boa noite, Noite

Agosto 24, 2023

BoaNoiteNoite.png

Que as ondas sonoras do mar, no seu voo,
encontrem a tua janela.
Que a música pouse na almofada onde, no silêncio,
proteges os sonhos.
Que a maresia te embale e, num manto de seda,
envolva a pele nua.
Que a Lua te beije os lábios e, ao ouvido,
segrede: "boa noite".

Repor Definições de Fábrica

Agosto 06, 2023

Fabrica.png

Este texto é, especialmente, para mim. Não é um texto poético, onde me posso esconder, ou dissimular o que sinto, atrás de estrofes encriptadas. Faz parte de um esforço genuíno para cultivar verdade e preservar safras menos desonestas do carácter.

 

Ter um compromisso com a verdade é uma tarefa que exige atenção e vigilância permanentes. Por vezes há desvios, uns mais conscientes que outros, mas com o mesmo resultado: a inverdade, que mais não é que a mentira. Seria cómodo considerar meias verdades, ou meias mentiras, mas o caminho da autenticidade exige disciplina e uma capacidade de autoanálise fria e rigorosa. É, pois, ridiculamente fácil falhar e, não poucas vezes, falho.

 

Recentemente escrevi uma imprecisão, quando referi que não me considero uma pessoa deprimida. Para ser honesto, deveria ter afirmado que gostaria de não me considerar uma pessoa deprimida. Uma nuance que, desde a altura em que cometi a imprecisão, me anda a moer. Fica a correção.

 

Fora da escrita, no mundo dito “real”, criei o hábito de cerrar fileiras e de - atrás de um rosto fechado ou mesmo sorridente - ocultar o caos interior que tantas vezes me assombra. Ninguém, fora de mim, precisa de saber o esforço que faço para manter a união dos ossos do esqueleto. Foi, por esse motivo, que, um dia, criei este pequeno espaço de liberdade, onde - apesar de não saber quem sou - não tenho que ser quem não sou. Aqui sou anónimo, muitas vezes até para mim. Posso falar do que quero. Se quiser, posso até falar do que não quero. Ás vezes, por falta de tempo, em virtude de uma débil dedicação, ou até mesmo por falta de coragem, não consigo fazer a transição completa do personagem “real” para a genuinidade do "eu" do mundo da escrita. Fica a justificação.

 

Por fim, reparei que quase deixei de sonhar. Transformei-me numa espécie de máquina e, com ineficiência, percorro os dias e sobrevivo às noites. Aboli, das minhas leituras ou cogitações, qualquer vestígio de romantismo. Tudo isto é uma fotografia descolorida, mas traduz-se num retrato preciso.

 

Reposta a verdade, bem sei que tenho poucas aplicações.

Silêncio por linhas tortas

Julho 17, 2023

comboio.jpg

 

Só, junto a esta ferrovia,
esmoreci quando não previa.
Só os comboios sabem onde vão,
o resto é fuligem e carvão.

 

A ferrugem dos carris nas linhas,
que entram no Douro e nas vinhas.
Socalcos, ravinas e aldeias
e fumo que tolda as ideias.

 

A solidão oprime cá dentro,
entre pensamentos, que esventro.
Castanheiros, Carvalhos e Pinhais,
golpes de mil infinitos punhais.

 

Porto a Pocinho, via Régua,
vidros refletem olhos e água.
Entre montes, fixo uma serra
e, calado, ouço “pouca terra”.

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